1.
Meirol comparece perante o Grande Líder
Meirol
era um maztena que vivia distante das terras principais. Sempre
foi localmente reconhecido por sua inteligência e esperteza
em resolver dilemas. Tivesse nascido na época eferial
ou em Libros de qualquer período, teria, com certeza,
tido maior reconhecimento entre os intelectuais contemporâneos
do leste numaioriano.
Vivia da pesca, à maneira dos dunos;
mas distava muito tanto das principais terras maztenas como
das dunas. Uns 30 quilômetros o distanciava de Handaf,
o grande líder maztena.
Ao anoitecer, Meirol chegava em casa, vindo
de sua pescaria, e descansava até ouvir o anúncio
de que o jantar estava na mesa; mas dessa vez sua habitual
tranqüilidade foi substituída por uma surpresa:
“Meu senhor, Greices esteve aqui à tarde, e disse
que o espera em sua morada. Disse para apressar-se, pois o
assunto é importante” – Disse sua esposa
Pes-Ean. Era um costume maztena a mulher tratar o marido como
“meu senhor”. Quanto a Greices, era o líder
da região e representava Handaf. Isso o tornava muito
respeitado.
Meirol já esteve na companhia de
Greices muitas vezes. Greices confiava nele e na sua perspicácia,
e aconselhava-se com Meirol para julgar o povo local. Parecia
que o julgamento de Meirol nunca falhava.
No caminho para a morada de Greices, Meirol ia refletindo
no que poderia ser tão importante, pois Greices nunca
usara o termo “é importante” ao solicitar
sua ajuda. “Talvez seja o caso da viúva Raus-Ean,
que alega ter sido enganada pelos cunhados, no que se refere
à posse da canoa, mas isso é tão importante?
… Pobre Raus-Ean, creio que realmente tem razão
… Mas não deve ser esse o motivo da solicitação
de minha presença! Bem, Greices raspou o cabelo antes
de sair, e isso significa que fez a jornada até Handaf.
Isso pode ser um sinal de que o grande Handaf precisa de ajuda,
mas claro, não deve ser da minha …” –
Assim perdido em seus pensamentos, Meirol aproximou-se da
moradia de Greices.
De longe, o servo de Greices já o
avistara e foi recebê-lo. Introduziu-o ao aposento onde
se serviria o jantar. A casa de Greices, como todas as casas
da região, não era requintada, não possuía
luxo, mas era a maior e com mais aposentos, uma vez que ele
era o representante de Handaf para a região.
Durante o jantar, Greices ia explicando a Meirol sua ida até
o grande líder dos maztenas, de como ela fora incomum
, do cavaleiro mensageiro urgindo em sua moradia, da velocidade
imposta no percurso e no importante anúncio dado por
Handaf. Meirol ouvia tudo atentamente, levantando as sobrancelhas
em alguns momentos e em outros fazendo uma cara de quem descobria
a verdade. Em meio à conversa, Greices
pediu a Meirol que fosse para casa e passasse a noite lá
com sua esposa, pois teria de viajar no dia seguinte, antes
do nascer do sol, e a data de regresso não era conhecida.
(Os líderes regionais iam ter com o grande líder
uma vez na primeira parte da floração e outra
vez na terceira parte da desfloração, o que
daria duas vezes ao ano, segundo o calendário mamouriano,
criado pelos Asnarlahals)
Assim nascera o novo dia e ambos, mais três
servos de Greices (dois estavam bem armados), estavam a caminho,
iniciando seus mais de 30 km de viagem até Handaf.
Uma viagem que Meirol nunca fizera.
No início da viagem, Meirol logo perguntou:
“Senhor, estou intrigado! Como um grande líder
poderia solicitar minha presença …um mero pescador
de um povo ribeirinho? Não sei nada mais do que pescar
no Vantaás-Eás!”
(De fato, o nome do rio assim ficou conhecido por todos os
silvos de épocas posteriores, mas nos dias de Handaf
somente os maztenas chamavam o rio assim. Os dunos, por exemplo
o chamavam de Massava, enquanto nomeavam o Silivratas de Tassava).
“Meirol, tu és incrivelmente modesto, mas tua
sabedoria te precede. O grande líder está com
um imenso problema, e isso exige grandes mentes para resolvê-los.
A ele tenho informado sobre tua valorosa ajuda na busca pela
justiça na nossa localidade, e ele mandou buscá-lo.
Porém, mais dois considerados sábios estão
indo ter com Handaf, e um de seus conselheiros também
estará lá para tentar mostrar que é mais
sábio que os demais.”
“Quer dizer que estou indo a uma competição?”
“De certa forma, sim! O Grande Líder enviará
o mais sábio numa comitiva para reaver algo muito importante.
Um artefato mundii perdido.”
“Greices, que artefato é esse, e porque é
tão importante assim, e o que é Mundii?”
“Nossa única desvantagem é que vivemos
muito longe das terras principais, longe das preocupações
da nossa tribo, indiferente ao mundo que nos cerca, tendo
paz com os dunos. Isso nos faz estar desinformado de muita
coisa, e pode pesar contra sua sabedoria nata. Mundii é
um povo antigo que vive além do Grande Rio (o Silivrens).
Foram dominados pelos doles e hoje a tribo se chama Dole-Mundii.
Os mundii são a maioria, mas a liderança da
tribo está nas mãos dos doles. Quanto a como
você será de ajuda e o que se espera de você,
nada sei”
“Mas senhor, você ainda não me contou”
“O quê?”
“Que artefato é esse?”
“Chamamos de pedra Sácer. Não sei sobre
suas origens, a não ser que pertenceu aos mundii. Mas
nós, os maztenas, o temos em grande estima …(Greices
pausa e sussurra consigo mesmo, e Meirol entendeu algo como
“eu nem estimo tanto assim”) e … então
… bem, do que eu falava mesmo? Ah sim, … e os
chefes do exército confiam nesse artefato como amuleto,
e ele sumiu. Para piorar as coisas, os mundii exigem que os
maztenas lhes mostrem o artefato todo ano. Crêem que
receberão uma maldição do seu deus Onarai
se atacarem quem tem tal pedra. Assim, não nos atacam
por esse motivo. Agora você sabe que estará entrando
num assunto que envolve o bem-estar de todos os milhares de
maztenas. Se tiver paciência, Handaf nos explicará
outras coisas na ocasião que ele considerar mais oportuna.”
Estavam agora numa marcha tranqüila. Não
tinham pressa, e Meirol não entendia por que, se a
primeira ida de Greices fora bem apressada. Mas a verdade
é que outro considerado sábio morava há
uns 18 km de Handaf e não usava cavalo. Logo, uma apressada
marcha galopante não traria muita vantagem.
Ao chegarem, foram recebidos por belas mulheres,
servas de Handaf, que lhes mostraram onde ficariam até
o chamado. Apesar de já ter uma vez explicado, Greices
olha para Meirol e diz:
“Em ocasiões formais, nunca olhe diretamente
nos olhos do Grande Líder, sempre olhe para baixo.”
Meirol então passou a olhar para uma praça distante,
muitas pessoas vendendo e comprando, gente diferente …
estranha …
“Você sabe de onde são?” –
pergunta ele a Greices, apontando para bem vestidos senhores.
“São homens asnarlahals. O Grande Líder
estima muito suas visitas, e aprende com eles. Nossas vestimentas
atuais são um arremedo de suas belas vestes e o nosso
calendário foi inventado por eles.”
Meirol estava sentindo-se estranho, longe de casa.
Uma vontade de subir no puro-sangue montanhês que o
trouxe e sair dali desceu sobre ele e estava tornando-se incontrolável.
Pensou em sua querida esposa e a lembrança amada tirou-lhe
a atenção. Ele então voltou-se a um homem
que implorava misericórdia aos soldados. Estava amarrado
e era trazido quase arrastado. Ao passar por Meirol ele o
encarou com tamanha força nos seus olhos grandes e
cheios de lágrimas que Meirol sentiu-se perturbado
e desviou o olhar. E lá se foi o homem, para ser lançado
na detenção.
Não demorou muito, chegou o último
homem convocado, Servensaus, junto com seu líder regional,
Míten (de cabeça raspada), equivalente a Greices.
Homem educado, Servensaus passou por Meirol e o cumprimentou
com um sorriso amistoso. Míten também o cumprimentou
com um sorriso, mas este último possuía alguma
malícia … um sorriso com certo desdém.
Logo houve o chamado, e o coração
de Meirol passou a bater mais rápido, e uma certa ansiedade
tomou conta dele. Passaram a dirigir-se para uma sala ampla
(o aposento do corro), que tinha um assento de pedras lavradas
e vários sacos estofados ao redor. Apesar de os maztenas
já utilizarem cadeiras como assento, aquela sala de
reuniões mantinha as características tradicionais
de outrora, sendo que apenas o assento do Grande Líder
fora alterado. Entraram Míten e seu companheiro Servensaus
e sentaram-se, depois Greices e seu companheiro Meirol e sentaram-se;
sobraram dois assentos de saco.
“Mas senhor,” perguntou Servensaus a Míten,
“não seriam 4 sábios? Por que só
há mais dois lugares? Se minha suposição
estiver correta, os outros dois são líderes
… eles são não é mesmo?”
(Se cada sábio vinha acompanhado de seu líder,
deveria haver 8 lugares, mas só havia 6)
Míten somente balançou a cabeça
positivamente. Ele não se agradava dessa idéia
(de que líderes pudessem ser escolhidos para a tarefa),
e gostaria de que seu companheiro Servensaus fosse escolhido,
aumentando sua honra pessoal e moral perante Handaf.
Logo entrou no aposento um outro homem de cabeça
raspada. Todos os líderes regionais assim faziam, antes
de entrar perante o Grande Líder. Cumprimentou Míten
e Greices e nem olhou para os outros dois. Em seguida veio
um homem bem vestido, quase parecendo um asnarlahal. Este
não olhou para ninguém. Era Greiteli, um dos
conselheiros de Handaf. A Meirol pareceu que a arrogância
crescia junto com a posição em alguns desses
senhores.
Um silêncio profundo tomou conta
do aposento. Dava para ouvir a respiração de
todos e isso trouxe nova ansiedade a Meirol. Não queria
estar entre gente importante, mas queria estar com Pes-Ean.
Pensava em quão orgulhoso deveria ser Handaf, já
que tinha a maior posição entre todos, e nem
sequer permitia que olhassem diretamente em seus olhos.
Não demorou muito e Handaf entrou,
e todos se debruçaram no chão. Handaf então
os permitiu voltarem à anterior posição
e lhes deu boas-vindas. Estava nu da cintura para cima, e
possuía um colar de brilhantes. No meio do colar estava
um pingente, uma insígnia, símbolo de seu poder.
Tal colar era a principal insígnia maztena e segundo
a tradição fora forjado pelo ser que criou a
vida em Panol, o planeta (Greices não acreditava nisso).
Handaf foi direto ao assunto:
“Saibam todos, que preciso formar uma comitiva, e que
necessito que o líder dela seja reconhecidamente sábio.
A ele fornecerei homens bens treinados na guerra e tudo mais
que ele achar necessário. Depois de mostrar-se superior
aos outros em discernimento e perspicácia, o escolhido
saberá do que se trata. Foram propostos três
enigmas, e estes servirão de teste à vossa esperteza.
(Bateu palmas) Que comecem os testes!” Os dois primeiros
testes foram elaborados em Libros, levados aos levinotes,
que levaram aos asnarlahals, que levaram a Handaf.
Assim entraram homens com mesas, 4 delas,
colocando-as nos quatro cantos da sala, e puseram em cada
uma o seguinte: Uma vasilha com que cabia um metame, contendo
um metame de água, outra que cabia 5 metames, contendo
5 metames, e mais uma vasilha de 6 metames, porém contendo
apenas dois metames de água.
(Um metame maztena equivale a 894 ml)
“O desafio,” passou a clamar o internúncio
do Grande Líder, “consiste em distribuir os volumes
de modo que a vasilha de 5 metames e a de 6 fiquem com exatamente
com 4 metames de água cada uma.”
E o desafio começou. Juízes
analisavam se havia interferência de terceiros nos testes.
Não demorou muito e Greiteli clamou “terminei”
e o juiz deu por encerrada a descoberta de Greiteli, mas aos
demais ainda se lhes permitiu que continuassem no seu desafio.
“Ele está nos logrando”, pensava Meirol,
“deve ter tido acesso aos testes de maneira prévia”.
Após um tempo determinado, Handaf encerrou o teste
e disse a Greiteli:
“O congratulo, Greiteli. Fico feliz de que és
meu conselheiro. Demonstre juiz, como Greiteli resolveu a
questão”
O juiz passou a dizer, e fazer o que dizia,
em demonstração a todos:
“Greiteli, primeiro, despejou todo conteúdo do
recipiente de 5 metames no recipiente de 6. Como o recipiente
de 6 metames suporta apenas mais 4 metames, este ficou com
6 metames e o de 5 com 1 metame. Então ele colocou
todo volume do recipiente de 1 metame no recipiente de 5 metames.
O recipiente de 5 metames ficou então com 2 metames
e o de 1 metame ficou vazio”.
Logo, Greiteli despejou o conteúdo
do recipiente de 6 metames, que contém agora 6 metames,
no recipiente de 5 metames. Como o de 5 metames já
continha 2 metames, este suporta apenas mais 3 metames. Ele
passa a ter 5 metames e o de 6 metames fica então com
3 metames.
O passo seguinte foi despejar o conteúdo
do recipiente de 5 metames no recipiente de 1 metame. Como
o de 1 metame suporta apenas 1 metame, o de 5 metames fica
então com 4 metames.
Para finalizar, Greiteli colocou todo o conteúdo do
recipiente de 1 metame dentro do de 6 metames.
“Impressionante,” repetiu Handaf três vezes,
inserindo a palavra “mesmo” depois da última
vez.
“Mais alguém descobriu algo antes do fim do teste?”
“Eu, Grande Líder” – era Meirol.
Handaf valorizou o fato de Greiteli descobrir
uma maneira de resolver o teste rapidamente, mas o mais importante
para ele é que o teste fosse terminado. Por isso pediu
ao juiz de Meirol que demonstrasse o que fez Meirol.
“Meirol, despejou o conteúdo de 1 metame de água
do recipiente de 1 metame no de 6, que possuía 2 e
despejou um metame do recipiente de 5 no de 1. Então
o de 5 ficou com 4, o de um ficou com um e o de 6 ficou com
três. Meirol colocou novamente o metame do de 1 no de
6 (que tinha 3) e o resultado foi o desejado”.
“Impressionante” clamou Handaf, “declaro
Meirol o vencedor dessa prova”
O internúncio então avisou
a todos: “Meirol, sob Greices, venceu a primeira prova,
a todos é concedida pequena pausa.”
Aquelas palavras doeram fundo em Míten,
que desejava ouvir seu nome e o de Servensaus naquele momento.
Aliás, Míten tinha certeza de que Servensaus
não encontraria rival à altura de sua sabedoria,
mas Servensaus nem sequer imaginou como resolver o problema.
Greiteli também balbuciara algumas palavras, e Meirol
ouviu entre algumas palavras inaudíveis Greiteli reclamando
consigo mesmo que só obtivera acesso a duas das três
provas e dentre as duas obtidas ilegalmente, uma delas ninguém
sabia a resposta e a outra ele, Meirol, já havia vencido.
Pasmo diante de tal confirmação de sua suspeita,
Meirol nem viu Servensaus se aproximar dele, dizendo: “O
congratulo aroer, pela sua esperteza!”
(Um aroer é um homem que vive nas beiradas do território
maztena. )
“Míten parece não estar tão despreocupado
quanto tu.”
“Míten é um bom homem, mas têm suas
pretensões. Acha que porque sou bom esculpidor, consigo
na maioria das vezes detectar se alguém está
mentindo, sou um bom contador de lendas, conheço bem
o mapa dos céus e as estrelas e posso me guiar por
elas, e prevejo o tempo com pouca chance de erro, só
por isso ele acha que sou o mais sábio de toda Panol.
Isso não é atestado de sabedoria.”
Soaram sinceras as palavras de Servensaus.
Dali a pouco, estavam todos novamente reunidos e postos em
seus assentos. O internúncio pediu que Servensaus,
Meirol, o líder regional tido como sábio e Greiteli
se aproximassem dele, para que declarasse a próxima
prova: “Respondam do que se trata. A resposta é
um enigma: Quando é desconhecido se torna um desafio,
mas quando é conhecido não é grande coisa.”
“Vejo que tu mesmo respondeste o enigma.” –
Disse Meirol ao internúncio.
“Que queres dizer com isso, aroer?”
“Tu mesmo dissesses: A resposta é UM ENIGMA.”
Impressionado pela rapidez de Meirol em vencer a prova, Handaf
o proclamou novamente vencedor.
Havia três provas a serem feitas, e Meirol já
havia vencido duas. Era portanto vencedor, mas Handaf tinha
interesse em ver como se sairiam na última prova. Por
isso o internúncio declarou: “Estimados companheiros
maztenas, eis que a prova final é, na verdade, um problema
real que assola as mentes de nossos conselheiros e do próprio
Grande Líder. Não é permitida a entrada
de estranhos no aposento do corro, por isso, peço-vos
que tenhais a bondade de acompanhar-me para fora, e ouviremos
o problema do asnarlahal postado à entrada.”
Após todos terem se ajeitado lá fora, Handaf
bateu palmas, e o asnarlahal, depois de um cumprimento, iniciou
seu relato:
“Eis que trouxemos conosco estas lindas lanças,
trabalho de um mestre da fundição, de terras
longínquas, um belo trabalho(eram, de fato, lanças
sistartes, adquiridas por levinotes e repassadas aos asnarlahals).
Aos hubiatanos, homens de terras distantes no nascente, interessa-lhes
muito o arcadã por vós produzido. Os levinotes
desejaram trocar conosco as lanças que possuíam,
por arcadãs, que de vós obtemos. Obtivemos 90
lanças da tribo levinote mais ao poente e 90 estavam
na tribo mais ao nascente. Apesar de serem idênticas
as lanças, os levinotes do poente exigiram que para
cada três das 90 lanças fosse dado 01 arcadã
maztena. Porém, para as 90 lanças dos levinotes
do nascente foram exigidos 01 arcadã maztenas para
duas lanças. Não havia asnarlahal no mundo que
fizesse estes levinotes do nascente abaixarem seu preço
para equiparar-se ao dos levinotes do poente. Pareceu-nos
bem, portanto trocar aqui em vossas terras 02 arcadãs
por 05 lanças. Não é a mesma coisa trocar
03 lanças por 01 arcadãs e mais 02 por 01, ou
trocar logo 05 lanças por 02 arcadãs? Consideramos
a segunda opção a mais rápida.
(Arcadã: Arco e flecha feito com uma madeira resistente
de bela cor.)
Com a permissão de Handaf,
procuramos guerreiros dispostos a trocar seus arcadãs
por lanças. Deu-se porém, que devíamos
ter 75 arcadãs nas mãos, mas ao estarmos a caminho
contamos os arcadãs, e eis 72 deles. Como pode, visto
que cuidadosamente fizemos as trocas e não erramos,
e nem perdemos nenhuma e garantimos que não fomos roubados?”
Ninguém percebeu, mas nesta hora
os guardas traziam o homem que havia encarado Meirol com força
no olhar, e estava amarrado; ele ia ser julgado por Handaf.
Pararam, no entanto, à distância, ouvindo curiosos
o relato dos arcadãs que faltavam; e desejando não
perturbar o grande líder, esperavam. Agora que o problema
estava exposto, somente aquele homem riu, em voz baixa. Meirol
percebeu aquilo, e soube no seu íntimo que o homem
sabia a resposta. Seria ele alguém dado a fazer muitas
contas e sabia os segredos dos cálculos? Meirol acreditou
que sim, mas voltou sua atenção para a solução
do problema.
Ocorreu que tempo depois ninguém havia
conseguido descobrir o erro. Na verdade, todos achavam que
os asnarlahals perderam, de alguma forma, esses três
arcadãs faltantes.
“Não esperava que descobríssemos mesmo,
uma vez que estes asnarlahals, dados a muitas contas não
foram nem eles mesmos capazes de descobrir o erro no cálculo.”
Encerrou-se assim, a terceira prova.
Todos foram então reunidos no aposento do corro e Handaf
declarou Meirol o vencedor e disse:
“Eis que te mostraste mais o mais perspicaz entre os
perspicazes. Agora, todo o povo maztena estará em tua
mão.”
De súbito, Greiteli alertou: “Meu Grande Líder,
senhor dos maztenas, é certo que este homem nos venceu
a todos e mostrou-se atinado. Porém, deveriam todos
os maztenas colocar suas esperanças num aroer ... neste
homem que mora nos arrabaldes de nossa tribo e vive de pesca
como um duno?”
Ao que respondeu Meirol: “Não sou duno, mas me
sentiria venturoso se fosse, dada a simplicidade e felicidade
que se encontra no seio de tal tribo.”
“Diga-me Meirol” falou Handaf, “como vivem
os dunos? Pois eis que estou em constante contato com os assuntos
do norte, mas nada sei de como vivem os homens do sul.”
“Meu senhor” disse Meirol ajoelhando-se “se
eu tiver achado favor aos teus olhos, perdoe a insensatez
de teu servo, ao desejar ser um duno.”
“Que significa isso, que peço para dizer-me como
vivem os dunos e tu passas a clamar por minha benignidade?”
Disse Handaf, ao que Meirol respondeu: “Grande Líder,
admiro os dunos, pois entre eles há pouca distinção
de classe, e suas vilas são baseadas na partilha. Todos
pescam, caçam e plantam e todos trazem todo o resultado
de seu labor para um armazém em comum, e fazem a partilha
entre todos na vila. Até mesmo o líder duno
trabalha arduamente, e leva o resultado de seu labor para
partilhar com outros. Que minha observação não
faça acender a ira de meu Senhor!”
Handaf sentiu-se curioso quanto aos dunos
e desejava saber mais, porém, ficou visivelmente incomodado
com a possível comparação entre ele e
o líder tribal dos dunos. Dispensou portanto a todos,
mas ordenou que ninguém deixasse a vila principal até
segunda ordem. Quanto a Meirol e Greices, marcou Handaf com
esses um novo corro (reunião de pessoas num círculo)
para o dia seguinte.
E ali na vila pernoitaram todos, e amanheceu o
dia, e houve novo chamado. Apresentaram-se portanto Greices
e Meirol a Handaf.
Dirigindo a palavra a Meirol, Handaf disse:
“Amigo, podes olhar para mim agora. Este costume maztena
não me agrada, mas é isso que os meus subordinados
esperam que eu exija.”
Meirol ficou surpreso ao ver as coisas de
um ângulo diferente. Ora, até mesmo o Grande
Líder cumpria exigências.
“Te contarei agora a história da pedra Sácer,
de como ela é vital para os maztenas e o que espero
de ti. Poderás, depois, renunciar a esta carga que
está sendo a ti imposta.”
Meirol não disse uma única palavra, mas se acomodou,
curioso por ouvir a história.
“Conheces tu a pedra Sácer?” – perguntou
Handaf.
“Vim a conhecê-la hoje pela manhã, quando
Greices abordou superficialmente o assunto”
Handaf surpreendeu-se de saber que havia
maztenas que não conheciam a pedra, pois perguntara
imaginando que a resposta seria sim.
“Pois vou contar a ti a história da pedra:
Os mundii tinham uma pedra que para eles era muito importante.
Chamavam-na de Pedra do Ancianato. Há uns 100 ciclos
atrás (100 anos) nossos antepassados travaram guerra
contra os mundii, por motivos que a história não
registrou. Fragmentos em nossos registros, porém, relatam
que estávamos perdendo a luta, e nossos bravos guerreiros
eram menos numerosos que os mundii (assim como ainda é
hoje). Íamos ser reduzidos a nada. Ora, eis que na
correria da batalha, invadimos um templo de Onarai, o deus
mundii. Um dos guerreiros, na euforia, agarrou-se a uma pedra
e ela desprendeu-se da parede, e veio a estar na palma de
sua mão. Um conselheiro do Grande Líder da época
(este Grande Líder não é meu antepassado)
alegou, naquele momento, que havia tido uma visão na
noite anterior, e nela aparecia tal pedra e uma voz que dizia
‘a vitória pertence aos maztenas’. Imagino
que o conselheiro era um bendito mentiroso, mas o fato é
que a visão recebeu crédito e encheu de ânimo
os maztenas encurralados em território mundii. Ora,
vendo que os maztenas partiam abertamente para a batalha,
os mundii viram que se apoderaram da pedra, ficaram atônitos,
e se dispersaram, e foram caçados. Assim, os maztenas
saíram do território mundii, mas junto levaram
a pedra que se desprendera da parede. E o que estava escrito
na pedra era Onarai, o nome do deus Mundii. Porém,
não sabemos como, mas hoje todos conhecemos o artefato
por Pedra Sácer.
Ocorre que a história se perpetuou, e os
chefes de exército maztenas daquela época juraram
sempre lutar bravamente enquanto o líder mantivesse
a posse do amuleto. E sempre foi assim nestes últimos
100 ciclos. Imaginas tu o perigo que corremos se formos atacados
hoje, com o ânimo de nossos supersticiosos chefes militares
estando abatido?
Eis que isso não é tudo. Saiba
que os mundii nunca esqueceram o ultraje que fizemos, ao roubar-lhes
o que eles chamam de Amuleto do Ancianato. Eles, acham que
Onarai protege a quem tem o amuleto, ou a Pedra Sácer.
Por isso, apesar de crescerem novamente em número,
e se tornarem um exército poderoso, nunca ousam nos
atacar sem primeiro verificar se possuímos ainda tal
pedra. Os mundii estão dominados atualmente pelos doles,
homens muito inteligentes. Mas os doles sabem que os mundii
esperam que eles respeitem essa diferença que há
entre nós e os mundii. Por isso, os doles enviam de
ciclo em ciclo uma comitiva dole-mundii que exige que mostremos
a eles a pedra Sácer. Como a pedra nunca nos faltou
até agora, nunca nos atacaram. Mas, eis que agora ela
sumiu, e temos uma parte (um mês) até que venha
uma nova comitiva e busque saber se ainda temos a pedra Sácer.
Sofreremos, portanto, um ataque mundii e vemos nossos desalentados
chefes de exército lamentarem a perda da Pedra.
Esta é a história da pedra Sácer,
e por isso me é muito cara. Encararás tu o desafio
de investigar o paradeiro da Pedra Sácer e trazê-la
a mim em menos de uma parte, Meirol?”
Meirol pensou em Pes-Ean. Desejou estar com ela
novamente, quis nunca ter ouvido falar dessa pedra Sácer
e voltar para sua pescaria e seu cotidiano, nas belas paisagens
das margens mais ao sul do Vantaás-Eás. Mas,
os acontecimentos o levaram ali, e ele sentia que não
deveria dar às costas aos seus irmãos maztenas
nesse momento. Ponderou e concluiu que todos ficariam mais
desanimados ao saber que o vencedor nos testes não
aceitou a carga de ir resgatar a pedra Sácer, mesmo
que outro fosse em seu lugar.
“Sim, meu Senhor, o Grande Líder, irei”
– Disse Meirol.
O espírito de Handaf se imbuiu de
sentimentos positivos e otimismo. Se não fosse por
sua elevada posição teria se ajoelhado diante
de Meirol, em sinal de gratidão.
“Agora aroer, diga-me do que precisarás ... eis
que tenho comigo vários homens habilidosos e fortes,
aptos para batalha e para a proteção. Poderás
levar muitos deles, se desejar.”
“Meu senhor, considero que, ou levemos toda nossa força
militar maztena, ou levemos pouquíssimos homens, para
que não demos na vista. Me seria útil que Servensaus
fosse comigo, pois é um bom companheiro e pode prever
o tempo, e sabe navegar olhando os céus, e essas habilidades
me serão muito úteis. Também, sei que
logo haverá aqui uma audiência para julgar um
homem alto que está lá fora esperando. Não
sei o que fez, nem a gravidade de sua atitude segundo os costumes
maztenas, mas se for possível achar motivo para perdão,
e se ele não representar ameaça para minha vida,
que ele seja integrado à comitiva que me acompanhará.”
“Como se explica isso, que um homem que não conheces
e mal o vistes poderia ser desejável como integrante
de tua comitiva?”
“Suponho, meu senhor, que ele é um homem entendido.
E se terei de andar por terras que são por mim desconhecidas,
terei imenso prazer em ter em minha companhia homens de conhecimento.
Também, Greices, se desejar, poderá estar conosco.”
“Seus pedidos serão atendidos Meirol. No entanto,
além de 4 carregadores você levará Quin-Néser
e Caldiens contigo. Quin-Néser é homem habilidoso.
Atira objetos cortantes e não erra o alvo. È
rápido no correr e tem visão aguçada.
Caldiens é o homem mais forte de toda Panol (uma expressão
hiperbólica). É do meu agrado que eles te acompanhem.
Também, insistiu muito em unir-se ao séquito
o Sr. Greiteli, meu conselheiro. Ele pediu audiência
ainda ontem, e lhe dei permissão para acompanhá-lo.”
Meirol não apreciou este último nome, mas não
quis desagradar o Grande Líder.
“A única informação que poderei
te dar para que possas ver o fio que leva ao novelo é
que uma caravana de Levinotes esteve no norte de nossas fronteiras,
e os aroeres afirmaram que seguia para mais ao norte. É
rara uma caravana de comerciantes levinotes por aqui, pois
eles usualmente comercializam por intermédio dos asnarlahals
. Isso me pareceu ter algo que ver com o sumiço da
pedra. Quanto à pedra Sácer, estava sob a guarda
pessoal de meu terceiro filho, Tarastir. Seus homens não
sabem como ela sumiu da Gruta de Outrora, seu local de armazenamento.
Pensei em punir os que mantinham vigilância à
noite com a morte mas Tarastir implorou para que eu poupasse
seus guardas, e mostrei clemência nesse caso, por meu
filho.”
Meirol já tinha duas dicas: A pedra deve
ter ido para o norte, e levada por levinotes. Os quatro carregadores,
Alaicha, Bafor-Nul, Esmálforas, Quénsel, já
estavam prontos com seus sacos contendo provisões para
a viagem. Quin-Néser e Caldiens foram se despedir de
suas esposas e se encontrariam com eles mais tarde, pois se
deslocariam com mais velocidade para os alcançar. Estes
possuíam adejantes, cavalos selvagens muito velozes
e fortes, que só permitem que seu dono os domine, e
se esse morrer, a nenhum outro permitem que tome o seu lugar.
Esmálforas, o pequeno (quase anão) possuía
um marchador de Tamblem, cavalos de baixa estatura, que migraram
das redondezas do rio Dorna. O puro-sangue montanhês
que trouxe Meirol foi passado à Servensaus e Greices
(que os acompanharia até a tribo Eromê, e depois
regressaria, montava seu Crina dourada, da mesma raça
que o cavalo de Handaf. Belos animais eram os crinas douradas.
Handaf desejou empregar seu cavalo Peloreã nessa missão
desesperadora, e o cedeu a Meirol. Alguns acharam que isso
era uma mácula na tradição, um aroer
montar um crina dourada. E assim se pôs a caminho a
comitiva de 11 integrantes ...
(os 11: Meirol, Greices, Servensaus, Aduneius (cuja liberdade
deve à Meirol), Greiteli, os dois guerreiros Caldiens
e Quin-Néser, e os quatro carregadores: Alaicha, Bafor-Nul,
Esmálforas e Quénsel)
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