3.
Eromês e Manvatopias – Uma inesperada revelação
A
comitiva dos 11 cavalgava pelo território norte dos
maztenas, para Meirol, tão belo quanto o sul. Aqui,
porém, encontram-se menos pescadores. Os quatro carregadores
conversavam muito entre si, e pareciam sentir-se honrados
em participar nessa aventura por terras desconhecidas. Nenhum
era casado. Quin-Néser fitava o olho no horizonte e
olhava muito para os lados, como quem estivesse procurando
algo. Greiteli cavalgou todo o tempo ao lado de Greices e
conversava somente com ele, como se conversar com um homem
de menor posição fosse inconveniente. Meirol,
em determinado momento, aproximou-se de Aduneius e perguntou-lhe:
“Que graça te designaram ao nascer?”
“Aduneius” – respondeu friamente o homem.
“És de qual tribo?”
“Nenhuma das que conheces”
Meirol percebeu que o homem não
estava disposto a deixar-se ser sondado. Caldiens olhou para
Aduneius com um olhar ameaçador e viu Meirol acenar
que estava tudo bem.
“Sabe Aduneius, tenho vivido uma vida simples, e muito
pouco conhecimento dos lugares desse mundo eu tenho. Deves
ter razão; para mim, o lugar que moras não passa
de um nome, e talvez citá-lo seria esgotar a língua”
Aduneius ficou comovido com tal demonstração
de humildade. Fora tratado há muitos dias somente com
hostilidade e palavras duras. Mas agora que respondera rudemente,
Meirol não o molestou, nem se ofendeu. Após
uma pausa, Meirol continuou cavalgando ao lado de Aduneius.
Ouvia-se a conversa dos carregadores que contavam animadamente
o relato do Asnarlahal, que antes de apresentar seu problema
ao Grande Líder, na ocasião em que ninguém
pôde solucionar, escorregou e caiu vergonhosamente.
“Eles não fizeram bem em trocar 5 lanças
por 2 arcadãs. Não é a mesma coisa.”
– Falou, olhando para a cabeça do cavalo, Aduneius.
Meirol deu um sorriso, satisfeito, e falou:
“Minha dedução não apresentou falha.
Sabias a resposta”
“Vamos chamar as 90 lanças dos levinotes do poente
de lanças A, lembrando que 3 delas seriam trocadas
por 01 arcadã. As lanças da tribo do nascente
chamaremos de lanças B, lembrando que 02 delas seriam
trocadas por 01 arcadã.
Na primeira troca, trocou-se 3 lanças
A mais 2 lanças B e obteve-se 2 arcadãs (5 por
2). Sobraram 87 da A e 88 da B.
Na segunda rodada trocou-se 3 lanças A mais 2 lanças
B e obteve-se mais 2 arcadãs que agora somavam 4. Sobraram
84 do A e 86 do B.
Na terceira rodada trocou-se 3 lanças A mais 2 lanças
B e obteve-se mais 2 arcadãs que agora somavam 6. Sobraram
81 do A e 84 do B.
Você pode observar uma regra: A cada rodada de trocas,
aumentam 02 arcadãs, diminuem 03 lanças A e
02 lanças B. De modo que na décima rodada obteríamos
20 arcadãs, e diminuiríamos 30 lanças
A e 20 lanças B. Na trigésima rodada haveriam
60 arcadãs com os asnarlahals, acabariam as lanças
A e ainda sobrariam 30 lanças B, pois aqui elas atingiram
60 lanças. Até agora não há erro.
Observe daqui para frente: As lanças
B valem 2 x 1 em relação ao arcadã, de
modo que 5 valeriam por 2 arcadãs e meio, mas os asnarlahals
continuaram a trocar 5 x 2. A cada rodada perderam meio arcadã
e nas 06 rodadas que se seguiram, perderam 03 arcadãs.
Dos 75, obtiveram 72”.
Meirol olhou pasmo para Servensaus
e Greices, que também ouviram a explicação,
mas não do começo. Pediu-se uma repetição
da solução, que foi dada em detalhes por Aduneius,
satisfeito em ter encontrado pessoas que admiravam o conhecimento.
“Donde vens e o que fazes?” – Perguntou
Greiteli.
“Sou de Libros. Sou o norteador matemático da
Casa do Pensamento”
“Quer dizer que você lidera os que analisam a
matemática, na sua terra?” Perguntou Greices.
“Sim, eu os norteio, ou oriento, como estão as
pessoas dessa região habituadas a dizer.”
“Parece que Meirol tem uma percepção e
tanto ... escolheu um mestre na arte das contas sem sabê-lo.”
“Pude ver pelo olhar e pelo malicioso riso que ele sabia
a resposta.”
“Aprendemos a civilização com os asnarlahals,
que a aprenderam com Libros.” Disse Greiteli, fazendo
o gesto de beijar os dedos (a mão fica de maneira que
o indicador envolva o polegar) e depois estender o braço
com a palma da mão virada para cima enquanto abaixa
a cabeça. É a forma de Libros cumprimentar seus
senhores e homens de fama. Isso impressionou Aduneius, um
homem do alto escalão maztena se dobrando perante ele.
Não que ele achasse que não merecia, mas era
justamente a liderança maztena que o julgava adversamente.
Porém, a atitude de Greiteli deixou mais impressionados
ainda aos outros integrantes da comitiva. Não achavam
que um homem arrogante como ele poderia demonstrar tamanha
cordialidade.
Ao continuarem sua cavalgada, chegaram
aos limites do território maztena. Lá, Meirol
perguntou aos aroeres do Norte sobre as caravanas de Levinotes,
e para onde foram. Indagou se algum homem com modos maztenas
foi avistado fazendo alguma transação comercial
com eles. Meirol ficou impressionado com a disposição
para ajudar demonstrada pelos aroeres. Obteve toda a resposta
que precisava. Soube que nenhum maztena das terras principais
foi avistado por ali.
“Os homens do norte conhecem Peloreã, o cavalo
crina dourada de Handaf. Por isso o ajudam, sabendo que você
está numa missão em nome do Grande Líder.”
– Explicava Greices
“Bem, Meirol, meus três servos me aguardam na
vila (chamavam de “vila principal”, ou somente
“vila” a cidadela onde Handaf habitava, descontando
os arredores). Preciso retornar para levá-los embora.
Não irão sem mim, e não desejo lhes impor
uma espera demorada. Eis que agora ainda estás mais
perto da vila do que estaria se estivesse em nossa morada.
Mas doravante haverá uma terra erma (desabitada) e
logo você deverá tomar cuidado, pois seguindo
a margem do Vantaás-Eás você entrará
na terra dos eromês. Não temos tratos com eles,
e não sabemos se são amistosos ou não.”
Ambos se abraçaram demoradamente e Meirol falou:
“Diga a Pes-Ean que desejo ardentemente regressar. Diga
a ela que meu coração sente-se esmagado pela
distância. Sabe Greices, nunca estive tão longe
dela. Nunca na minha vida. Já passei mais dias sem
a companhia de Pes-Ean, mas estava muito mais perto dela.
Sinto falta dela.”
“Maztenas ...” completou Greices – “Handaf
o Grande Líder me pediu que nomeasse Meirol como o
homem mais graduado do grupo. Portanto, todos vós deveis
obediência a ele a partir desse ponto. Caldiens e Quin-Néser
farão valer essa obediência pela força,
se for necessária”.
“Não creio que será. É com alegria
que o recebemos como nosso senhor.” manifestou-se Servensaus.
Greiteli não apreciara isso,
mas vira que os dois homens de guerra balançavam a
cabeça em sinal de positivo enquanto Greices falava,
o que parece demonstrar que eles sabiam da nomeação.
E se eles sabiam, não era uma invenção
de Greices, uma nomeação ilegítima de
última hora.
Após despedir-se de todos, Greices e seu crina dourada
se foram, e a comitiva de 10 continuou sua tarefa. De todos,
apenas Meirol gostaria de estar no lugar de Greices.
Agora, um sentimento estranho tomou conta
de Meirol. Ele não sabia se era o peso de liderar os
homens ou se era a falta de seu líder, Greices.
A cavalgada continuava. Já não havia mais aldeias
e a vegetação começava a fechar-se. Terra
de ninguém. Algumas vezes ir margeando o rio era a
melhor opção. Como cavalgavam sem pressa, por
estarem em terra desconhecida, pouco avançavam e logo
começou a escurecer.
“Vejo pelos astros que estamos indo para o noroeste”
arrematou Servensaus.
Aduneius olhou com curiosidade. Os homens em Libros conheciam
os astros, mas Aduneius nunca vira um ádvena (qualquer
homem que não é de Libros) se guiar pelos astros.
Havia tal ciência em Libros, mas Aduneius não
era sábio neste assunto.
Mais adiante acamparam. Os carregadores
tinham em seus cavalos robustos tecidos para barracas e logo
perguntaram à Meirol onde ele queria que estas fossem
montadas. Decidido o local, passaram a trabalhar habilmente
nessa tarefa. 05 barracas, para 10 dormirem.
Estavam à quase um quilômetro
do Vantaás-Eás, e Alaicha e Quénsel foram
buscar água no rio. Aduneius divertia a todos com um
jogo no qual ele afirmava que nunca perdia.
Quando Meirol se aproximou, ele explicou
novamente:
“Aqui há muitas pedras. Jogaremos com 34 delas.
“O jogo é assim. Cada um de nós vai retirando
pedras. A cada rodada podemos retirar uma, duas, ou três
pedras. Você pode tirar duas na primeira vez, e eu três
em seguida, entendeu? Quem tiver que retirar a última
pedra perde o jogo ... ou seja, você perderá!”
Meirol ficou curioso com a certeza
de Aduneius na vitória. Para que o leitor acompanhe
como desenrolou-se o jogo, colocaremos A2 se, por exemplo,
Aduneius retirar duas pedras e M3 se Meirol retirar três.
O jogo desdobrou-se assim:
A1, M3, A1, M1, A3, M2, A2, M3, A1, M3, A1, M2, A2, M1, A3,
M2, A2. Como a soma dos números deu 33, sobrou uma
pedra na mesa para Meirol retirar.
Greiteli aproximou-se e desejou jogar também, escolhendo
ele mesmo o número de pedras, 23 delas. Ele achava
que o segredo, ou estava na primeira pedra retirada por Aduneius,
ou no número de 34 delas. Mas percebeu seu primeiro
engano, quando Aduneius começou retirando duas, e não
uma pedra. Veja o jogo:
A2, G1, A3, G2, A2, G3, A1, G2, A2, G1, A3. A soma dá
22 pedras ... sobrou uma para o perdedor Greiteli.
“Será que você é capaz de vencer
se eu começar?” – Bradou Greiteli, que
percebeu que Aduneius sempre começava.
“Tudo bem ... vamos tentar com 21 pedras.” E assim
foi o jogo:
G1, A3, G1, A3, G3, A1, G2, A2, G1, A3, cuja soma é
20 pedras, sobrou uma e a vez é de Greiteli.
Todos estavam curiosos com aquele
jogo, e quando Alaicha retornou, soube do jogo e tentou também
derrotar o imbatível, mas não pôde fazê-lo.
“Se eu sobreviver a esta jornada por terras estranhas,
lhes contarei meu segredo depois” – prometeu Aduneius.
E veio a noite, e metade dela Caldiens ficou vigiando, e na
outra metade, Quin-Néser.
A aurora levaria duas horas e meia
para raiar quando Quin-Néser deu um alerta em alta
voz para seus companheiros. Meirol saiu da barraca e avistou
o que pareciam ser duas dezenas de homens, guerreiros estranhamente
vestidos, com colares de dentes. Um deles veio correndo na
direção de Servensaus, que levantara-se assim
que ouvira Quin-Néser alertar. O guerreiro tinha uma
lança nas mãos e, ao chegar perto, preparou-se
para arremessá-la, mas parou subitamente, largou a
lança, tentou olhar para as costas e tombou. Quin-Néser
atirou-lhe um punhal. Meirol olhou para o lado e viu Caldiens
correndo na frente de todos e, sozinho lutava com os inimigos,
e prevalecia. A três ele matou e outros ficaram feridos,
até que foi rendido. Cercaram o acampamento e falaram
palavras incompreensíveis para os maztenas, mas que
Aduneius compreendeu. Greiteli também não estranhou
muito e afirmou:
“Soa como a língua dos asnarlahals, mas não
consigo traduzir tudo, porque mal consigo entender o que os
asnarlahals dizem”. Aduneius esclareceu:
“É a língua comum com alguma variação.
Estão discutindo entre eles se devem nos matar agora
ou levar-nos perante seu Grande Líder. Direi que pedimos
audiência ao Grande Líder deles.”
E foi isso que fez Aduneius, num sotaque
que Greiteli pôde compreender um pouco, por se aproximar
mais do sotaque dos asnarlahals. A isto respondeu Issalido,
o líder deles, na língua comum:
“Não podemos negar isso a quem nos pede. Sereis
escoltados para lá. Qualquer movimento em falso e teremos
prazer em vingar a morte de nossos companheiros.” Na
verdade, ele teria ordenado a execução de todos,
não fosse o caso de que não confiava em todos
os seus comandados que ali estavam. Talvez alguém teria
prazer em delatá-lo ao Grande Líder como um
que não respeitou a lei do pedido de audiência.
Aduneius, com dificuldade, conseguiu entabular
uma conversa com um dos guerreiros e relatou a Meirol suas
descobertas:
“São eromês, e estamos bem longe de seu
Grande Líder. Ainda cavalgaremos muito. Estão
com uma visita importante de outro Grande Líder, de
uma tribo vizinha. Talvez seremos executados para a diversão
dessa nobre visita.”
E chegaram, enfim até o Grande Líder dos eromês.
Foram postos na retenção e Aduneius pensou consigo
mesmo: “já estou me acostumando a isso”.
Meirol pôde ver nas faces de seus amigos que todos estavam
muito apreensivos. Podiam ouvir tambores e de um orifício
Bafor-Nul via que havia dança, e pessoas ocupadas davam
ordens para servos, que corriam de um lado para outro.
E as horas foram passando, e a manhã
já estava vigorosa, e o meio-dia se aproximava. Queriam
fazer o desjejum, mas seus pertences não estavam em
seu poder. Logo o sol indicava que era hora do almoço,
e alguém os trouxe comida. Era boa, não podiam
reclamar. E veio a tarde, e Meirol começou a ficar
desalentado com essa demora. Antes de cair a noite, foram
retirados da detenção e tiveram as mãos
atadas.
Foram levados perante o Grande Líder
eromê, que ante seus olhos não tinha a mesma
grandeza que o Grande Líder maztena. Ao lado dele estava
um homem, sentado em um trono bem adornado (era cômico
o fato de que esse homem fazia seus servos carregarem seu
pesado trono nessa viagem). Era o Grande Líder dos
manvatopias, a grandiosa visita dos eromês.
“Que o líder dos invasores tenha suas mãos
desatadas” – ordenou o Grande Líder dos
eromês.
Assim, Meirol sentiu uma faca cortando
as cordas. Intencionalmente ou não, sentiu que a faca
cortou-lhe levemente a mão.
“Conte-me Issalido, o que aconteceu”
“Meu senhor, longos sejam os seus dias! Eu e meus homens
fazíamos a ronda nas fronteiras eromês e eis
que avistamos um acampamento. Bem sabes dos dias funestos
que atravessamos, e que os tassu-assus nos fazem emboscadas.
Pois bem, tassu-assus atacam a partir do norte, e não
do sul, mas não poderia ser esta mais uma emboscada?
Ordenei que um de meus homens matasse um dos invasores, e
se eles resistissem, eram bravos guerreiros, se não
revidassem, eram homens sem poder de guerra, e pouca ameaça
ofereceriam. Mas eis que um deles, de uma boa distância,
acertou-o com um punhal. Foi um arremesso incrível.
Diante disso, vi que estávamos perante homens perigosos
e ordenei o ataque. É difícil acreditar na força
daquele homem (fez isso apontando para Caldiens). Ele matou
mais três de meus homens. Mas felizmente os subjugamos
e o trouxemos a ti para que sejam julgados com tua justiça
infalível. Estes homens mataram quatro eromês
em terras eromês”
O Grande Líder eromê
pensou um pouco e, usando Aduneius como tradutor, pediu a
Meirol que explicasse o que aconteceu, ao que ele respondeu,
incomodado pelo sangue que levemente vertia da mão:
“Somos maztenas (diante dessa afirmação
o Grande Líder manvatopia arrumou-se em seu trono,
como se isso o interessasse muito). Estamos a caminho do norte.
Não sabíamos que estávamos em território
eromê e mesmo que soubéssemos, não esperávamos
tamanha hostilidade, nem que um dos nossos tivesse que pagar
com a vida para que pudéssemos ser avaliados. Se o
mesmo homem que agora prestou seu testemunho fosse encontrado
em território maztena, não teria encontrado
igual agressividade. Estávamos dormindo e fomos alertados
pelo nosso valoroso vigia de que homens aparentemente hostis
se aproximavam. Um deles preparou-se para cravar uma lança
em um dos nossos homens, um que é pacífico e
excelente homem. Haveríamos de deixar que nosso companheiro
tivesse seu fim? Os eromês que morreram, eles é
que nos atacaram. Nós simplesmente nos defendemos.”
O Grande Líder eromê perguntou ao Grande Líder
manvatopia se ele desejava fazer alguma pergunta que auxiliasse
no caso, ao que ele escolheu Quénsel para aproximar-se
e perguntou, na língua maztena:
“Diga-me maztena, o que estão indo buscar? Não
é comum encontrar maztenas fora de seu território!”
Meirol sabiamente manteve segredo
sobre a Pedra Sácer, mas faria isso seu companheiro?
Greiteli gelou ... pois ele sabia o que nenhum outro dos nove
sabia, de que os mavatopias, do tronco étnico dos manvas,
conheciam muito bem a história da Pedra Sácer.
Os manvatopias mantinham contato com os manvas do norte e
do sul, que habitavam a margem norte do grande rio Silivrens,
relativamente próximos dos Dole-Mundii. Quénsel
passou a dizer:
“Ó Grande Líder dos manvatopias, estamos
procurando reaver algo de muito valor para nossa tribo ...
estamos em busca da Pedra Sácer.”
O Grande Líder manvatopia estremeceu
e relaxando a postura, escorregou um pouco em seu trono. “Esta
é uma inesperada revelação”, pensou
ele. Balbuciou palavras, olhou para o Grande Líder
eromê e tentou conter o sorriso, mas não pôde.
Os manvatopias sabiam da força militar dos dole-mundii,
e o Grande Líder manvatopia sabia da gratidão
que o Grande Líder dole-mundii teria aos manvatopias,
se eles pudessem informar algo sobre o Amuleto do Ancianato.
Melhor ainda, se soubessem que os manvatopias deram um fim
aos que tentavam reencontrar a pedra.
De tudo o que se passava na mente do Grande
Líder manvatopia Greiteli podia adivinhar, inclusive
da intenção de eliminá-los, e tudo isso
ele contou aos seus companheiros dizendo em voz baixa as mesmas
palavras que se passaram no pensamento do Grande Líder
manvatopia: “Essa foi uma inesperada revelação”.
O Grande Líder eromê
se pôs a pensar, consultou um homem que parecia ser
um de seus conselheiros e, talvez para agradar ao Grande Líder
manvatopia (que pareceu ao Grande Líder eromê
interessado no fim daqueles maztenas), deu a sentença,
traduzida aos companheiros por Aduneius:
“Sei que não tínheis más intenções,
por isso sois metade inocentes. Porém matastes quatro
eromês em solo eromê, e nisso sois metade culpados.
Não posso declarar alguém metade culpado, metade
inocente. Num pedaço de papiro será anotada
a palavra culpado, e num outro, inocente e ambas as palavras
serão colocadas num saco. Que um de vós retire
do saco o pedaço de papiro e, assim, decida própria
sentença. ‘Culpado’ significará
morte, ‘Inocente’ vos livrará!”
Os Grandes Líderes combinaram em
segredo alguma coisa, e Meirol não estava gostando
daquilo.
“Vão colocar somente a palavra culpado nos dois
pedaços de papiro!” – Exclamou Servensaus,
tremendo e com o coração batendo rápido.
A voz saiu trêmula. Quando os outros ouviram o que disse
Servensaus, se desesperaram. Greiteli esmoreceu.
Meirol tomou a dianteira e foi retirar o
pedaço de papiro. Olhou para cima, para todos os que
estavam na audiência, e para seus amigos. Sua face imprimia
um desânimo completo. Foi-lhe ordenado que retirasse
a sentença. A face atroz do Grande Líder dos
manvatopias transformou-se em sorriso desdenhoso quando seus
olhos encontraram os de Meirol.
“Não é justo!” – Sussurrou
Meirol ao homem que lhe trouxe o saco. A resposta dele, “eu
sei”, acompanhada de uma face cheia de compaixão
trouxe mais desalento ao coração de Meirol.
Significava que realmente haviam tramado contra ele. Já
estava prestes a protestar, quando retirou o pedaço
de papiro e ouviu o Grande Líder eromê dizer:
“Maztena, a tradição eromê diz que
agora deverás escolher tua última refeição.
Se fores condenado a morte e estiver no alcance de nossas
mãos atendê-lo, o faremos.”
Depois de Aduneius ter traduzido a sentença,
de súbito, Meirol alegrou-se. Seus amigos perceberam
que ele pensara em algo. “O que foi, o que foi”
perguntava Esmálforas, mas ninguém lhe respondia.
Meirol olhou para Aduneius e disse:
“Traduza isso Aduneius, meu último desejo para
a refeição. Gostaria de comer um pedaço
de papiro.”
Aduneius traduziu e o Grande Líder dos eromês
deu sua permissão, movido por curiosidade, ao que Meirol
comeu o pedaço de papiro que tinha em sua mão,
antes mesmo que os eromês providenciassem sua estranha
refeição.
Só havia agora uma maneira de saber o resultado da
sentença: ordenar que se leia o único pedaço
de papiro que sobrou.
Aduneius não acreditara na
saída brilhante pensada por Meirol. O Grande Líder
dos manvatopias ouvira e entendera, e coçou a cabeça,
vendo-se já derrotado nesse pequeno embate contra os
maztenas.
Os amigos entenderam logo a questão: Se o homem ler
culpado (e lerá, pois nas duas vezes foi colocado tal
palavra), logo Meirol só poderia ter na mão
a palavra Inocente.
E assim se deu. Depois de consultar o Grande
Líder dos manvatopias e questionar sobre o que é
essa Pedra Sácer, o Grande Líder dos eromês
ficou curioso com respeito ao assunto. Ele também não
desejava voltar atrás com sua palavra, dada perante
os demais, e deixou que os amigos fossem embora. Porém
ficou muito curioso sobre esta Pedra Sácer e intrigado
com a esperteza desse Meirol. Disse à comitiva que
se eles pisassem em território eromê, poderiam
receber sua hospitalidade. Em troca desejaria saber do desfecho
da busca dessa pedra.
E os maztenas se foram, com permissão
para cruzar o território eromê. No caminho, Greiteli
explicava que os manvatopias eram do ramo étnico dos
manvas, e os manvas estavam informados a respeito dos assuntos
dos mundii. Lamentou a revelação do assunto
a um manva, pois agora o assunto do sumiço da pedra
poderia chegar aos ouvidos dole-mundii. Isso acarretaria sérios
problemas. O tempo da inspeção dole-mundii da
pedra Sácer poderia ser abreviado de um mês (ou
uma parte) para alguns dias, tempo necessário para
que os manvatopias façam a notícia chegar até
os dole-mundii.
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