6.
Ninfa chega até Assai
A
cadeia de montanhas Andeias era o lar da tribo levinote do
nascente. Apesar disso, do pico Andeias até a tribo
propriamente dita havia ainda cerca de 80 quilômetros,
já vencidos por Ninfa.
A tribo estava estranhamente agitada e quando
Ninfa penetrou no interior dela, passou por algumas aldeias
com suas mercadorias, indo ter com outro comerciante conhecido.
Numa dessas aldeias, porém, um homem a pé aproximou-se
de Ninfa, e este rapidamente puxou uma adaga, e tremendo apontou-a
ao homem.
“Fique onde está, se zela pela sua vida”
O homem sorriu. O chapéu fazia sombra
e seus olhos mal podiam ser vistos. Mascava algo, “alguma
erva talvez” lembraria depois Ninfa. Com um golpe rápido,
o homem desarmou Ninfa, imobilizou-o e soltando-o devolveu
a faca.
“Perdoe-me, meu caro senhor” disse ele a Ninfa,
“mas poucos entre os vivos podem realmente ser uma ameaça
para mim. Estou aqui, aguardando uma caravana que viria do
nascente. Espero por muitos homens, mas somente vejo esta
caravana de um homem só. Tu, que vens, do nascente,
não sabes de um homem chamado Le-In?”
Ninfa esmoreceu. O nome de seu amigo mencionado
por esse estranho! O que acontecia?
“Le-In era meu sócio nessa empreitada. O que
querias com ele?”
“Não convém que saibas a resposta”
“Tampouco me convém que tu saibas algo sobre
mim ou Le-In”
“Há algo a ser revelado? Seu sócio prometeu
algo ao Grande Assai, meu senhor! Alguns dizem que Assai é
mais poderoso que o próprio Grande Líder de
nossa tribo das montanhas. Eu, se fosse você, não
ousaria esconder nada dele. Você disse que ele ‘era’
seu sócio e perguntou não o que eu quero, mas
o que ‘queria’ com ele! Parece que algo aconteceu
com vossa sociedade.”
Ninfa continuou calado e foi sendo
escoltado por esse desconhecido tagarela até a casa
de Assai. O homem falava muito sobre a grandeza desse tal
Assai, mas Ninfa não prestava muita atenção.
Estava agora num estado de espírito de desmotivação,
e parecia que não fazia diferença quem era esse
Assai, nem o que ele desejava comprar da caravana de Le-In.
“Estranhos mesmo esses levinotes das montanhas. Parece
que não conversam abertamente como os outros levinotes,
mas preferem os leves cochichos” pensava Ninfa. Ele
começou a perceber as idas e vindas de todos, as pessoas
pareciam muito ocupadas com seus afazeres, homens vendendo
nas feiras e alguns senhores bem vestidos ostentavam suas
riquezas. “Essas pessoas, indo de um lado para o outro,
será que sabem o que estão fazendo?” –
pensou – “tanta atividade, tantos interesses,
mas daí simplesmente morrem e nada disso as ajudará,
nem será necessário ...”
Entraram numa ruela e havia cavalos à
espera deles. Não pareciam de raça. Ambos agora
foram cavalgando (Ninfa estava com seu cavalo, mas andara
a pé, puxando seu cavalo para acompanhar o estranho)
até que se depararam com um grande portão de
uma propriedade bem cercada. Era a casa de Assai.
Foram introduzidos a um belo aposento e logo entrou Assai.
Ninfa esperava ver um homem mais bem cuidado e mais alto.
Assai, depois dos cumprimentos, mandou trazer bebida e foi
logo perguntando:
“É você Le-In?”
“Você deveria saber, se fez negócios com
ele”
“Fiz por intermediários. Tenho muitos homens
a minha disposição. Os mesmos que negociaram
com o maztena foram os mesmos que trataram do assunto com
Le-In. Se você não é Le-In, o que faz
aqui?”
Essa pergunta, fazia a Ninfa, mas olhando
para seu servo.
“Meu senhor, ele é ou era sócio de Le-In.
Parece que esteve na caravana deste. Como sei de vossa ansiedade
nesse caso, resolvi trazê-lo até meu senhor.
Segui suas instruções não o indagando
muito no caminho, mas sei que fiz a coisa certa trazendo-o
aqui. Deixei meu braço-direito espionando a estrada
que vem do nascente. Se a caravana de Le-In aparecer, saberemos.”
“Ótimo, Mágobas!”
Ninfa voltou a dar atenção
ao assunto todo! Porque tanto interesse em Le-In e o que esse
homem rico queria tanto dele? Seus pensamentos foram interrompidos
quando Assai perguntou-lhe:
“Onde está Le-In, seu sócio ... você
sabe?”
“O que quer dele?”
“Ainda não sei quem és, como posso saber
se é conveniente que saibas de algo?”
“Não a sua conveniência que me interessa,
montanhês. Sou o único num raio de muitos quilômetros
que sabe do paradeiro de Le-In. Obterás sua informação,
se te preocupares em sanar as minhas dúvidas, ouviste?
As minhas primeiro!” Falou isso num
tom ameaçador!
Assai riu brevemente e mencionou: “Há muitas
maneiras de se obter uma informação Ninfa.”
Era uma ameaça, mas ele não a continuou, pois
desejava cooperação de Ninfa. “Mas somente
diga se tu eras mesmo sócio de Le-In, depois te responderei
suas indagações.”
“Sim, eu era. E me sinto traído por Le-In por
sua negociação paralela.”
“De modos que encerrou a parceria ...”
“Não ... não foi assim! Para que saibais
que deves me dar o devido tratamento se desejas saber algo
sobre meu ex-sócio, te informo o seguinte: Nossa missão
era pegar mercadorias cedidas por um maztena chamado Tarastir.
Também, tínhamos mercadorias dos asnarlahals
conosco, mas creio que essa do maztena é de seu interesse,
porque foi incomum um levinote negociar diretamente com um
maztena, uma vez que o fazemos através doas asnarlahals.
Mais tarde, na altura do Pico Andeias, Le-In evitou um necessário
desvio porque tinha prazo de entrega para uma das mercadorias.
Por acaso é a sua? (Nesse momento, Assai balançou
a cabeça positivamente) Diga-me, rico montanhês,
como saberia desses detalhes sobre o maztena, e o prazo de
entrega se não fosse de fato sócio de Le-In?”
Ninfa continuou falando sobre a sociedade
deles, as caravanas que juntos empreenderam, até que
foi surpreendido por Assai, dizendo que bastava.
“O que quer saber de mim, meu amigo Ninfa?”
“Quero saber o queres de Le-In”
Assai coçou a cabeça, colocou a mão de
modo a cobrir o queixo e passou a narrar a história:
“Fomos contatados por um dole que desejava possuir o
Amuleto do Ancianato, ou Pedra Sácer, como chamam os
maztenas” – Assai estudou a reação
de Ninfa, e percebeu que este não conhecia esses nomes
– “Sabe Ninfa, é uma Pedra importante para
os Dole-Mundii e eles desejavam obtê-la de volta. Digo
‘de volta’ por que os maztenas roubaram a pedra
dos mundii há um século, e não a devolveram
mais. Seríamos bem recompensados se ajudássemos
os mundii a reaver seu amuleto. Mas como fazê-lo? Ora,
é sabido por mim que os Asnarlahals conhecem bem as
tribos entrerrienses, de modo que enviei um representante
para negociar com eles qualquer informação útil.
Para minha surpresa, meu enviado descobriu tudo o que eu precisava
para obter tal amuleto. Aconteceu que meu enviado adoeceu
e veio a falecer dias atrás. A quem poderia eu enviar
para apanhar a Pedra no local e dia combinado, se o homem
que conhecia o trajeto não existia mais? “Ninguém
melhor que Le-in”, sugeriu um dos meus servos, primo
de um cunhado dele. Ele me explicou que Le-In e seu Sócio,
que agora tenho o privilégio de conhecer, eram, dentre
todos os levinotes, os que melhor conheciam o trajeto. Houve
negociação entre mim e Le-In, e apesar de eu
ter ouvido que ele tinha sócio, Le-In não mencionou
você, e disse-me que traria o Amuleto, um trabalho pelo
qual ele seria muito bem pago.”
“Le-In não me contou nada! Meu sócio ...
meu amigo Le-In! Por que me enganaste? Talvez ele soubesse
que eu jamais concordaria em trazer tal amuleto, se soubesse
dos fatos.”
“Agora diga-me Ninfa,” Assai realinhou-se no assento
e tentou controlar a expectativa gerada por essa pergunta
que agora fazia, “tens entre as mercadorias, esta que
preciso? Se a tiveres, dá-me-a, e o dinheiro que obterás
será suficiente para fazer dessa, de muito longe a
tua mais lucrativa expedição de toda a tua vida.”
Isso aguçou o interesse de Ninfa
pelo mundo terreno novamente. Afinal, ele era um mercador
nato.
“Há algo que preciso mencionar” –
disse Ninfa com um ar pesado. Seu rosto tornou-se pesaroso
e um súbito silêncio apoderou-se dos arredores.
Assai ficou meio imóvel prevendo que o amuleto do Ancianato
não estava com Ninfa. E antes que
Ninfa terminasse sua frase Assai lembrou-se de que Le-In prometera
voltar com uma grande caravana, e agora nem ele mesmo retornava,
mas seu sócio vinha só.
“Quase esqueci-me de Le-In. Onde está ele? Onde
estão os outros membros da caravana?” –
perguntou Assai.
Nesse momento, um de seus servos mensageiros
apareceu com ar de urgência. Assai era homem de muitos
assuntos, mas com um aceno fez seu servo recuar e esperar.
Estava mais interessado no relato de Ninfa, que passou a narrar:
“Estávamos na altura do pico Andeias quando fomos
atacados. Nunca em minha vida fomos surpreendidos por ladrões
nesse trajeto. Eles mataram todos, impiedosamente ...”
Ninfa continuou dando detalhes da história, da impiedade
dos atacantes, do modo como se salvou, e das mercadorias que
levaram. Assai compreendera rapidamente o que acontecera.
“Que ato pérfido! Possivelmente os asnarlahals
venderam a informação para mim e armaram uma
emboscada para obter a pedra novamente, pois sabiam de seu
acentuado valor. Malditos sejam os enganadores entrerrienses.
Foram eles, pois eles sabiam de tudo ... eles e aquele maztena
imprestável que vendeu seus semelhantes, chamado Tarastir.
Não duvido de que este último também
esteja envolvido nessa trapaça! Onde está a
honra nesse mundo atual?”
Ninfa sentiu-se no meio de um jogo sujo
de ganância e pouca lealdade. Este Assai que estava
em sua frente vociferando aquelas palavras de boa moral nem
lamentava as vidas perdidas no caminho, nem se preocupava
com as complicações que poderiam vir de sua
intromissão nos assuntos de duas tribos e agora queria
parecer um bastião da moralidade.
“Como sabes que não são simplesmente ladrões?”
– Ninfa formulou tal dúvida, sabendo ele mesmo
que para ladrões, aqueles agressores levaram pouca
coisa.
“Não disseste tu que pouca coisa levaram? Quando
acharam a Pedra Sácer, deram-se por satisfeitos na
sua busca e tomaram mais algum despojo provavelmente por ganância.
Mas era a Pedra que procuravam.”
“Pedra Sácer ... Pedra ... eu tenho algo comigo.
Espere um pouco aqui, pois já retorno!”
Ninfa saiu e logo voltou com uma Pedra nas
mãos, em formato triangular que continha uma inscrição
estranha.
Uma gargalhada breve, seguida por uma menos breve e outra
demorada e ruidosa puderam ser ouvidas no aposento. Era Assai,
plenamente satisfeito.
“Mas como ...”
“Le-In sabia que era um artefato importante, e o escondeu
num bolso, na cela do seu cavalo. Por sorte, não estava
entre os cavalos roubados. Quando o montei senti a perna bater
nesse objeto e percebi que se Le-In havia o depositado em
lugar mais secreto, deveria ter alguma importância para
ele.”
Assai chegou até mesmo a cogitar
se esse Onarai não era mesmo um espírito verdadeiro,
e se não havia conduzido a situação para
que a Pedra Sácer retornasse ao seu lugar, mas esse
pensamento evaporou-se em seguida! Assai não era um
homem lá muito espiritual. Ao atender o servo que o
interrompera a pouco, recebeu a notícia de que o dole
que viria apanhar a pedra estava já em território
levinote, e enviara um servo para avisar da sua iminente chegada.
Assai começou a organizar uma grande festa de recepção
e pediu que Ninfa ficasse para participar em tal. Ele agradeceu
o convite, aceitando-o. Ninfa não sabia, mas a verdade
é que Assai não queria pagá-lo sem antes
receber a devida quantia dos doles. Por isso, nada melhor
que Ninfa ficar ali com ele até a negociação
com o dole estar efetuada.
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