10.
A comitiva atravessa o solo manva
Agora Meirol havia feito o caminho inverso até os asnarlahals.
O mesmo comerciante de Rashnáki de cenouras os vira
e os atravessara pelo Vantaás-Eás. Mais tarde,
tendo cruzado o território asnarlahal, fizeram a perigosa
e demorada travessia do Grande Rio Silivrens.
Como não sabiam da presença
de Greiteli (e como não havia poucas vilas naquelas
vastas terras) continuaram seu trajeto. Acertaram no plano
de interceptar o dole com a pedra. Pois estavam atrás,
mas escolheram o caminho mais curto, algo que deviam à
experiência de Ninfa.
Só havia um inconveniente: teriam
de atravessar o território dos manvas do sul, onde
estavam agora, sem serem vistos.
Nessa altura muitas coisas já tinham
acontecido! O Grande Líder manvatopia já delatara
a situação ao Grande Líder dole-mundii,
Handaf já havia recebido a comitiva dole-mundii e Greiteli
estava a caminho do território maztena. Meirol não
sabia, mas estava em vantagem sobre o dole que trazia a Pedra
Sácer consigo.
Nas terras manvas procuraram evitar as estradas
de algumas vilas que passaram a encontrar no caminho, mas
isso estava atrasando o cavalgar porque longe das estradas
o chão estava irregular e a vegetação,
bem fechada. Lembrando-se das palavras de Greiteli, que disse
que os manvas sabiam da história da Pedra Sácer,
estavam um tanto ansiosos. De repente viram-se numa pequena
elevação de campo aberto, com algumas gramíneas
aqui, outras ali. Viram lá embaixo pessoas aparentemente
amassando uvas num lagar, e parecia que outras dançavam
ao redor. Uma moça, de tez mais clara ainda do que
geralmente os loiros manvas são, olhou para o grupo
maztena do meio de uma roda de dança. Percebeu o susto
estampado nos estranhos ao se verem descobertos. Ela preferiu
não dizer nada aos demais, uma gentileza que logo se
mostraria de pouca valia. Todos os maztenas recuaram rapidamente
para não serem mais vistos e cavalgaram para longe
dali, mas repentinamente viram-se diante de um grupo de soldados
manvas. O capitão daquela divisão pareceu bastante
surpreso de ver aquela gente diferente ali.
Ao sinal de um estranho som gutural os soldados cercaram os
maztenas, ordenando que erguessem as mãos. O capitão
manva não conhecia aquela gente de pele morena clara
e estranhou aquele homem que parecia envolto num manto (Aduneius),
também ficou admirado de ver aquele crina dourada,
montaria de Meirol.
Não sabendo de toda a movimentação
ocorrida em sua tribo, causada pelos manvatopias, aquele manva
do sul sabia que não era por mero acaso que estranhos
fossem encontrados nas terras dos manvas do sul. Decidiu-se
portanto, por levar os homens ao seu Grande Líder.
“Alguém entendeu uma palavra do que esses estranhos
dizem?” Perguntou Meirol
“Por Handaf, esses coitados tem um falar tão
estranho, que parecem que estão se amaldiçoando
mutuamente” – Disse Servensaus
“Não me parece desconhecida ... obviamente não
sei o que dizem, mas acho que já a ouvi antes”
– Completou Aduneius, sem lembrar que o som era o mesmo
dos sussurros dados pelos manvatopias na terra dos eromês,
Os maztenas tiveram suas mãos atadas,
porém não foram empurrados ou tratados com outra
descortesia. Mas a eles era indicado o caminho e o seguiam.
Estavam sendo levados a um governador regional, para que lá
ele decidisse o que fazer com os estranhos. Os cavalos foram
levados junto, mas todos estavam desmontados.
Caminhadas e caminhadas depois entraram
em terras que os manvas chamavam de Cadmon, e o grupo de Meirol
viu-se diante de uma construção simples, mas
de belo jardim. Córregos com água límpida
e grama e flores belamente situadas, com borboletas azul Royal
e outras num vibrante laranja aguardente voavam pela paisagem.
Havia uma estradinha pavimentada com pedras brancas que levavam
até a edificação.
“Pardês ...” sussurrou Aduneius!
Servensaus olhou, intrigado, ao que Aduneius
explicou:
“É o lugar de Panol para onde vão as índoles
dos homens, segundo uma antiga lenda carachi, contada entre
grupos que migraram para . Os de bom caráter teriam
sua índole vivendo para sempre em felicidade sempiterna
na Pardês. Alguns homens em libros crêem nesta
história, mas a modificaram, sendo a Pardês chamada
de Paradeisos e acrescentando um lugar de punição
para os maus. Estes seriam escravos eternos das boas índoles,
recebendo delas punições severas e à
noite se recolheriam num lugar onde teriam intenso sono, mas
não poderiam dormir.”
Um arrepio correu pelo corpo de Servensaus,
ao ouvir aquela história. Era totalmente nova para
os maztenas, mas ecos desse mito eram encontrados entre dunos,
eromês e asnarlahals, povos descendentes de carachis.
No entanto, logo a atenção dele voltou-se novamente
para o jardim acolhedor diante dele. Sentiu por um sopro de
tempo um revigoramento dentro de si, que logo evaporou-se
diante de guardas carrancudos que começaram a falar
naquela língua estranha.
Foram levados perante um homem bem adornado,
gordo, que bebia uma bebida fermentada a base de laranja,
o qual autorizou que fossem desamarrados. Fê-los uma
pergunta que não compreenderam. Meirol perguntou aos
espectadores se alguém falava a língua dos maztenas.
Não houve resposta, mas o homem gordo riu com um canto
da sua entreaberta boca, pois achou curioso aquele idioma!
Ao pedido de Meirol, Aduneius perguntou na língua comum
se alguém falava aquele idioma.
“Converse comigo, pois sou um mastariano cativo de guerra
que cresceu aos olhos de meu senhor, e em Mastaris se fala
a língua comum.” Depois o homem voltou-se para
seu senhor e explicou-lhe na língua manva o que estava
acontecendo. O homem mastariano era de uma fala tão
calma que apaziguou o medo que ia crescendo dentro do maztenas.
Mastaris era uma tribo altamente civilizada, mas sem muita
força militar. Era menos populosa que as tribos asnarlahals
ou levinotes, outros dois povos desenvolvidos. Moravam num
ângulo formado pelos rios Silivrens (o grande rio) e
o Avalen-Tiste, que os mênlistes chamavam de Cados.
Tais rios os cercavam ao oeste, sul e norte. Ao leste viviam
os manvas, do norte e do sul. Os mastarianos não tinham
muitos problemas com os manvas do sul diretamente, mas os
do norte eram belicosos e dispostos a saques, e ao travar
embates com os manvas do norte os mastarianos acabavam por
entrar em rota de colisão com os manvas do sul.
“Conheço os mastarianos” disse Ninfa.
O governante manva falou algo ao servo mastariano
e se retirou, ordenando que os estranhos fossem confinados
a um aposento trancado, mas cômodo. O mastariano foi
junto e passou a prosear com Aduneius.
Horas depois, o próprio governante
manva passou por perto do aposento e ouviu comemorações
e risadas. Ao ordenar que a porta fosse aberta viu pedras
no chão e Aduneius explicando naquela “palavras
ininteligíveis” algo sobre o jogo. A um pedido
seu, o servo respeitosamente explicou sobre o imbatível
Aduneius e seu joguinho de pedras. Isso aguçou a curiosidade
do homem. Ao ver que os hóspedes eram gente interessante
os convidou para alimentar-se a sua mesa e contar de onde
vieram e o que faziam em solo manva. Meirol alertou a todos
de que podia se tratar de uma gentileza com fins específicos
e ordenou-lhes que nada falassem da Pedra Sácer.
Durante a refeição, usando
o mastariano como intérprete, Aduneius conversou sobre
como a matemática era avançada em sua terra.
Explicou-lhes alguns princípios fundamentais e contou
o que os homens de libros chamam de “O problema do viciado”,
segundo o qual um jogador tinha moedas no valor de 16 pésets
de prata e foi até uma casa de jogos. Ganhasse ou perdesse,
ele sempre apostava a metade de seu dinheiro. Numa notinha
apostou 6 vezes, perdeu 3 e ganhou 3. Aduneius perguntou com
quanto dinheiro ficou o jogador e parecia razoável
a todos que fosse os mesmos 16 pésets, uma vez que
independentemente da ordem das perdas e ganhos, o que perdia
recuperava e o que ganhava perdia. Através de cálculos
Aduneius provou ao líder manva que o jogador sempre
perdia 9,25 pésets, independentemente da ordem de ganhos
ou perdas.
Foi um problema para o manva compreender
a fração 0,25 que compunha aquele 9,25, mas
ficou muito satisfeito com seu aparentemente ilustre sábio.
(pésets é uma medida monetária dos mastarianos,
empregada pelos manvas também. Aduneius não
a conhecia, mas aqui teve a ajuda do mastariano)
No decorrer da noite Aduneius foi contando
a respeito de onde ele era, de como era a terra de Libros,
e da origem da civilização em Númaior.
Falou da nazbiata (embarcações vindas do continente
daneliano se perdem no mar e param neste continente) e de
como carachis escravos das embarcações se espalharam
em pequenas tribos. Todos ficaram surpresos quando ele mencionou
que destes carachis descenderam as tribos dos asnarlahals,
levinotes (ao falar dessa tribo apontou a Ninfa) e dos mastarianos,
entre outras.
“A maioria dos carachis conhecia a língua comum
falada na Danélia, por isso levaram-na consigo pelo
nosso continente afora …” Explicava Aduneius,
diante da agonia de Meirol que tinha pressa em se livrar daquele
homem gentil, mas ainda assim seu captor e possivelmente um
perigoso manva. Os demais, porém, pareciam se deliciar
com aquele vislumbre do começo, algo que intrigara
tantas mentes por tanto tempo. Perguntado por Servensaus (pergunta
que foi devidamente traduzido para a língua manva),
o que exatamente era essa terra de Libros, Aduneius respirou
fundo como se em sua mente se passasse uma lembrança
gostosa tal qual uma brisa fresca num dia que queima em calor.
Depois falou a respeito de sua terra natal, das duas grandes
cidades, Libros e Abratena, das consecuções
de engenharia, dos sistemas de irrigação, dos
aquedutos e do sistema numérico baseado em 10 desenvolvido
orgulhosamente por seus antecessores. Até Meirol esqueceu-se
um pouco de sua missão e ficou imaginando aquela terra,
em especial aquela “Casa do Pensamento” da qual
fazia parte Aduneius.
Logo Aduneius principiou a narrar sua expedição
para as terras desconhecidas do norte, justamente essas tribos
silvas que ele agora estava percorrendo. O norteador geográfico
da Casa do Pensamento, com permissão real, levou muitos
homens importantes para reconhecer as terras e a gente ao
norte de Libros, pois registros antigos mencionavam povos
carachis povoando o norte. Depois Aduneius lhes falou do animal
selvático que lhes atacou, arrastando um deles para
longe. Falou ainda da busca ao homem perdido e de como ele
(Aduneius) veio a se perder, na correria, do seu grupo. Desorientado,
ele passou a perambular pelas terras de Romvelt, uma gente
hostil que o maltratou mas descuidou de guardá-lo devidamente.
Logo ele andou entre os dunos, um povo muito simpático
e simples. Ali Aduneius ficou algum tempo, fazendo anotações
sobre aquela gente, até que a saudade de sua terra
apertou. Saiu para procurar Libros, atravessou o Vantaás-Eás,
mas foi para o norte (geografia não era o forte dele).
Até se dar conta de seu erro já estava quase
na terra dos asnarlahals. Voltou e encontrou os aroeres do
norte maztena, que o encaminharam à Handaf. Sendo tratado
de maneira arrogante por líderes maztenas, Aduneius
começou a perder a paciência com aquela gente.
Demasiadamente ansioso (devido aos assuntos relacionados à
Pedra), Handaf também o tratou com rudeza, e Aduneius,
no seu orgulho, respondeu rispidamente olhando para Handaf.
Ao ser advertido por um guarda maztena a não olhar
mais para o Grande Líder, Aduneius o olhou novamente
e continuou fitando o potentado. Não muito depois disso,
arrasado por estar longe de casa, cansado e com ódio,
à caminho da detenção, seus olhos lacrimejantes
encontraram os de Meirol.
Quando terminou de falar, notou que todos
os maztenas estavam cabisbaixos, como se estivessem envergonhados.
O governante manva estava pra lá de satisfeito com
toda aquela história que o entreteve, enquanto Meirol
queria livrar-se dele, mas viu que Aduneius estava no caminho
certo ao tentar ganhar a aprovação deste.
O governante manva, já embriagado,
perguntou aos maztenas para onde iam. Um silêncio tomou
conta de todos ao ouvirem a pergunta traduzida.
“Estamos a caminho do oeste” Foi a resposta.
“Ao oeste?” A resposta intrigou o manva, que sem
suas faculdades mentais normalizada teve dificuldade em fazer
qualquer associação.
“O oeste é um lugar perigoso …não
confio nesses dole nem nesses mundii, e depois deles os maras
e os corohires mostram-se extremamente selvagens. Não
aproximem-se muito das margens do Grande Rio, onde a concentração
de vilas é alta. Como desejo que vós vos mantenhais
vivos, ofereço uma pequena guarda, se me contares o
segredo de sua vitória naquele jogo de pedras.”
– Disse o agora flatulento manva.
“Aceite Aduneius, pois agora teremos que interceptar
um dole talvez em terra dole-mundii. Precisaremos de mais
força, maior da que possuímos agora.”
Ao ser aceita a proposta, o manva perguntou
quantos guardas deveriam acompanhá-los.
“O número de tuas esposas, com o número
dobrado a cada uma delas, e me darás um pequeno exército,
pois sei que potentados manvas possuem muitas delas.”
Disse Aduneius
O manva riu: “Só tenho 12 esposas
meu amigo, e aceito esses termos”
Feitas as contas, percebeu-se que seria um guerreiro para
uma esposa, dois para a segunda, 4 para terceira, 8 para a
quarta, 16 para a quinta, assim sucessivamente, de modo que
terminou em 2048 guardas para a última esposa.
O governante ficou em apuros. “Isso
é toda a guarda de Cadmon. Como podem 12 esposas render-lhe
tanto?” Ao mesmo desesperado e admirado pela sagacidade
de seu visitante, o governante manva viu-se na mesma situação
que o Grande Líder eromê. Havia dado sua palavra
diante de muitos, e não desejava vê-la sem valor.
“Para que sejamos razoáveis, que acha de 50 homens?”
Meirol falou baixo com Ninfa e a um aceno
positivo de Meirol, Aduneius aceitou a proposta: “É
o suficiente para guardar-nos”, disse. Na verdade, era
o suficiente para interceptar o dole com a pedra.
Curiosamente, como o assunto desviara-se para
o problema do número de guardas, ninguém lembrou-se
mais do jogo de pedras, e a curiosidade do manva bêbado
não foi saciada.
No caminho foram barrados algumas vezes
por guardas do Grande Líder manva do sul e regionais,
mas ao verem o salvo-conduto do governante manva de Cadmon
e a guarda de 50 homens com eles, sempre podiam seguir seu
caminho.
E lá se foram os maztenas, o homem
de libros e o levinote, na sua busca ao dole, devidamente
protegidos.
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