4.
A caravana Levinote
Le-in
e Ninfa carregavam algo muito importante. Um artefato que,
imaginava Le-in, lhes traria um lucro altíssimo.
Estes dois mercadores eram sócios
há muito tempo. Fizeram muitas viagens usando rotas
entre as três tribos levinotes. Também se aventuraram
entre os hubiatanos e os dilibrunas, que formavam duas tribos,
cancas e arnas. Os dilibrunas não tinham parentesco
étnico, mas eram unidos por um pacto, o pacto dilibruna.
Alguns historiadores opinam que os mastarianos, ao sugerirem
a formação do pacto dos silvos, se inspiraram
no pacto dilibruna.
Fora dessa região (o oeste
do território silvo), Le-in e Ninfa pouco se aventuravam.
Os levinotes usualmente usavam os asnarlahals para comerciar
com as tribos entrerrienses (o que inclui os maztenas). Os
levinotes mantinham ainda rotas comerciais até Mastaris,
Manvas do Norte e Dole-Mundii. Essas caravanas eram muito
dispendiosas e Le-in e Ninfa as evitavam.
Ninfa sempre fora um comerciante que evitava o lucro injusto.
O que não significava que ele não procuraria
obter acordos favoráveis a si mesmo. Le-in apreciava
muito a companhia de Ninfa, e sabia que se contasse a verdade
sobre o Amuleto do Ancianato, Ninfa não o apoiaria!
Le-in fora contatado por ricos comerciantes
levinotes que lhe prometeram lucro altíssimo por tal
pedra. Disseram-lhe como a obteria, e para quem a levaria
(a saber, para Assai, dos levinotes do leste). Le-in fora
escolhido por conhecer bem a rota entre as tribos levinotes
e os asnarlahals.
O homem que negociou com ele explicou
que a pedra pertencia à outra tribo e que fora roubada
pelos maztenas. Explicou ainda que asnarlahals venderam (literalmente)
uma importante informação: um maztena descontente
tinha condições de se apoderar da pedra e entregá-la
aos levinotes. Daí em diante foi fácil. Le-in
formou uma caravana, contratou homens, e junto com seu desavisado
amigo Ninfa foi até as fronteiras maztenas, esperando
em local previamente acertado a vinda da pedra. Claro que
como bom comerciante (e para despistar) Le-in trouxe junto
muitas mercadorias, todas obtidas da tribo asnarlahal do norte.
Le-in não se apiedava do roubo da pedra, pois, segundo
o ditado popular entre os levinotes, “afanar de gatuno
não é roubar”. Afinal, a pedra não
pertencia aos maztenas.
Dessa maneira, lá estavam a
caminho Le-in e Ninfa. Conversavam animadamente sobre os lucros
que poderiam obter de toda essa caravana que faziam. Ninfa
não sabia que os lucros poderiam ser bem maiores do
que ele imaginava agora.
Se houvesse estrada em linha reta
das tribos levinotes até os asnarlahals, ela seria
de mais de 110 quilômetros. Como a estrada é
tortuosa, o percurso é consideravelmente aumentado.
Avistaram o belo vale verdejante do
Silivrens e seus corações se alegraram. Logo
estariam caminhando ao lado das Montanhas Andeias. Uma vista
incrível, principalmente a do Pico Andeias. Isso significaria
que uns dois terços do percurso já teriam sido
vencidos. Não havia levinote que não se alegrava
ao passar por aquela região desabitada e bela. Era
nessa região montanhosa, mais ao oeste porém
(onde os montes são menos altos), que viviam os levinotes
do nascente. Eram assim chamados pelos asnarlahals e homens
de outras tribos. Os levinotes do norte e do oeste, porém,
os chamavam de levinotes das montanhas.
Ao se aproximarem do pico Andeias,
perceberam algo estranho.
“As nuvens estão diferentes naquela região,
e muito baixas.” – disse Le-in a Ninfa.
“Não seja tolo Le-in, aquilo não é
nuvem. É fumaça! Tem alguém nas Montanhas
Andeias!” – arrematou Ninfa. Dizendo isso, fez
a caravana parar. Nesse momento, perceberam que a fumaça
aumentou. Ninfa completou:
“Devem ter apagado o fogo porque nos viram e não
desejavam chamar a atenção.”
Le-in e Ninfa ficaram confusos, sem
saber se avançavam ou voltavam e procuravam um caminho
alternativo.
“Podemos cruzar o Grande Rio Le-in, podemos voltar e
cruzá-lo na nascente do Vantaás-Eás,
pois é perto daqui. Alguns poucos asnarlahals que por
lá residem podem nos fornecer embarcação.”
– Disse Ninfa, mas Le-in protestou:
“Ninfa, isso retiraria nosso lucro, pois teríamos
que pagar pelas embarcações, e nem tente me
dissuadir a ir contornando a cadeia de montanhas, pois isso
representaria um grande aumento nos dias de viagem, e não
temos suprimentos para isso. E você sabe que na Amandii
muitos animais perigosos ficam a espreita esperando que homens
como nós caiam despreparadamente em seu território.
Além disso, para uma das mercadorias, tenho prazo de
entrega! (referia-se ao amuleto do ancianato)” Falando
assim, ordenou que a caravana continuasse. E a caravana continuou.
Quando chegaram a estar lado a lado
com o Pico Andeias, ouviram trotes de cavalos, e pareciam
avançar em sua direção. Todos ficaram
amedrontados e dois ajudantes fugiram na direção
do rio. Le-in ficou apavorado, e não sabia o que fazer.
Ninfa percebeu que seriam atacados e ordenou que todos fizessem
um círculo ao redor dos pertences e tomassem qualquer
armamento que possuíssem. Logo ouviram berros de dor
e alguns homens montados vindo do rio traziam a cabeça
dos dois fugitivos. O pavor tomou conta dos membros da caravana,
que desfizeram a formação e passaram a correr
em direção à região montanhosa.
Foram porém surpreendidos por outros homens que vinham
de lá e passaram a ser alvejados por flechas, uma enxurrada
delas. Alguns ainda sobreviveram, e Le-in e Ninfa também.
Todos, porém, foram alvejados. Quando os atacantes
chegaram mais perto, passaram a golpear ao fio da espada a
todos que ainda tentavam fugir. Depois, voltando-se aos demais,
foram matá-los também. Ouvia-se pedidos de clemência,
que não foram entendidos, e mesmo que fossem, não
seriam atendidos. Ninfa imediatamente sujou-se excessivamente
com sangue alheio, retirou a flecha que entrou em sua carne,
quebrou-a num pedaço menor e colocou no ferimento,
dando a impressão de que entrara em seu corpo, ferindo-o
mortalmente. Ouviu seu amigo Le-in pedir clemência e
ser decapitado, e depois desmaiou.
Acordou muito tempo depois, não
sabendo se ficara desacordado por um breve momento, horas
ou até mais de um dia. Sentia muitas dores no estômago
e achou que lhe chutaram para ver se estava morto. Como desmaiara,
não sentiu o chute. Viu que sangrara bastante através
do ferimento aberto pela flecha, abaixo das costelas, no lado
direito. Apesar de tudo, era superficial. Rasgou a pele e
sangrou, mas não comprometeu seus órgãos
internos.
Ninfa olhou a desolação
ao seu redor.
“Que dias funestos são estes?” lamentava.
Nunca fora atacado durante todas as suas idas e vindas. Nunca
fora roubado. Olhou com terrível tristeza para os corpos
sem vida. Um jovem rapaz que bravamente manteve-se emocionalmente
equilibrado durante o ataque e chegou a cortar a perna de
um deles jazia no chão, alvejado no olho. Que vida
tinha? Que vida não levará mais? Quem o espera,
achando que ainda está vivo? Essas perguntas preencheram
a mente de Ninfa por um tempo. Ele, sentado, olhou novamente
para os corpos. O vento batia forte e balançava as
vestes dos mortos e Ninfa ficava por ali, olhando, parado,
num desalento desmedido. Ficou ainda algum tempo assim, até
que levantou-se. Enterrar todos esses corpos seria uma tarefa
árdua para um homem ferido, de modo que Ninfa, usando
os cavalos (alguns foram roubados, mas nem todos), fez um
transporte para os corpos e os levou até as margens
do Rio Silivrens. Despiu-os e retirou qualquer outro pertence,
como anel e enfeites, para entregar as famílias, e
lançou os corpos no rio. Ao fazer o mesmo com o corpo
de Le-in, Ninfa chorou amargamente e arrependeu-se, por aquele
instante, de não se permitir morrer junto com o grupo.
E assim ele se livrou de todos os corpos.
Olhou para a mercadoria ... sobrara
muita coisa! Porque alguém atacaria em grande número,
para depois deixar muito da mercadoria para trás? Ninfa
não soube dizer ... tomou o que podia reunir e que
considerou valioso(apesar de a maioria das coisas valiosas
terem sido levadas), recobrou um pouco de ânimo, pôs
a mercadoria escolhida no seu cavalo e subiu no cavalo de
Le-in. Percebeu, porém, no lado direito da sela um
bolso contendo alguma coisa, pois sua perna esbarrou em algo.
Abriu e viu que era uma pedra.
“Por que essa pedra foi trazida junto? E por que Le-in
não a colocou junto das outras mercadorias, se achava
que tinha algum valor? Será que ele a queria para si?”
Assim pensativo, Ninfa continuou sua triste viagem até
a região montanhosa onde Assai residia. Ninfa nada
sabia sobre Assai, mas este morava no caminho que Ninfa se
propôs a percorrer.
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