9.
A confirmação
Handaf estava doente. Pressentia que algo terrível
estava para acontecer. Agora ele estava sentado, sozinho,
observando toda a atividade maztena ao seu redor. Rumores
de uma guerra contra os dole-mundii haviam feito o espírito
dos seus conterrâneos ficar abatido.
Muitos maztenas de vilas distantes porém
não sabiam de nada, e em especial os aroeres do sul,
de onde veio Meirol, que ignoravam totalmente a possível
guerra contra os dole-mundii. Seria uma surpresa para estes
ver os atacantes penetrando em suas vilas.
Handaf refletia nos últimos acontecimentos:
A última notícia que recebera sobre Meirol viera
com Greices, até que recebera um mensageiro asnarlahal
que relatara brevemente o encontro de Greiteli com o Grande
Líder asnarlahal. Através dele, Handaf soube
algo que o estremecera! O Grande Líder dos manvatopias
soubera sobre a perda da Pedra Sácer. Pela proximidade
com os dole-mundii, os manvas estão informados sobre
esses assuntos e o segredo revelado poderia custar caro! Será
que os manvatopias revelariam o assunto aos doles? Essa dúvida
temível arrastou Handaf para uma grande depressão
resultando por dois dias num fortuito problema estomacal.
Através do asnarlahal mensageiro, Handaf soube também
que pelo menos todos da comitiva estavam vivos, e que Greiteli
em breve voltaria para casa!
Handaf continuava refletindo enquanto os
preparativos para despedir-se do mensageiro formalmente ficavam
prontos. Mas eis que naqueles instantes, Handaf recebeu outra
mensagem que o deixara sem forças: uma comitiva dole-mundii
estava se aproximando.
Todos ficaram aflitos. “Que fazer?
E agora, que fazer? Como esconder dos doles que a pedra sumira?
Porque vieram antes da data costumeira? Eles souberam do sumiço
da Pedra Sácer! Os manvatopias, ... aqueles desapiedados!
Delataram a situação! Que fazer?”
Todos estavam assustados. Nunca viram Handaf
demonstrando tamanha fragilidade. Um grande temor abateu-se
sobre todos. Antes que as coisas saíssem de controle,
Handaf se recompôs e tomou uma postura firme novamente.
Ordenou que houvesse preparativos para a recepção
em frente ao aposento do corro e se retirou.
O asnarlahal, que receberia a despedida
formal de Handaf, recebeu um pedido para que ficasse mais
um pouco e visse o desfecho dessa nova situação.
Horas depois, uma comitiva de 20 doles e
50 mundii (12 deles homens de destaque e sacerdotes; os demais
eram guerreiros guardas) aparecia na vila principal. Os aldeões
olhavam espantados para aquele séquito. Já viram
outros, mas eram sempre compostos de 3 doles, 3 mundii, e
uns dez guerreiros mais ou menos. Agora, vinha uma multidão!
“Avise Handaf, o Grande Líder, que Caruari, irmão
e representante de Caruanã está aqui”
Após algumas formalidades, como o anúncio da
presença de Handaf e a reverência a ele prestada,
a conversação iniciou. Caruari detestou inclinar-se
ao chão para esse líder de uma tribo militarmente
fraca, mas seguira as instruções de seu irmão
de respeitar os preceitos maztenas, afinal os visitantes eram
minoria e não podiam com milhares de maztenas.
“Viemos, em nome de Caruanã, Grande Líder
dos doles e também dos mundii, solicitar que nos mostres
o amuleto do ancianato”
Na hora, Handaf lembrou-se de que poderia ter feito uma réplica
exata da pedra para uma ocasião como essa, mas agora
era tarde. De qualquer forma, Handaf odiava o engano!
“Não há mais tal amuleto em nossas terras”
– disse Handaf
Os mundii guerreiros se arranjaram em formação,
estupefatos com o que ouviram. Não sabiam de nada sobre
o sumiço da pedra. Repentinamente sentiram o perigo
de ouvir uma notícia que não poderia sair das
terras maztenas.
“A confirmação” sussurrava Caruari,
“a confirmação”, depois disse em
voz alta aos guerreiros mundii:
“Tolos, não sabem que Handaf não ousaria
nos fazer mal? Ele agora precisa fazer o possível e
o impossível para que Caruanã não decida
atacá-lo, e atacar a comitiva em que o próprio
irmão de Caruanã integra não parece ser
a melhor decisão!”
Depois, olhando para Handaf, disse: “Maztenas
amaldiçoados! Cresci ouvindo a história do amuleto
do ancianato e da importância dele para os irmãos
mundii. Agora finalmente a hora de reaver o artefato está
perto!”
O sumo-onaraitan (mundii-sacerdote) então
olhou para os companheiros mundii e gritou “Númaior!”
e os demais mundii celebraram levantando em êxtase os
braços. Acreditavam que Númaior era o espírito
subalterno de Onarai que manobrava as situações
de forma que na hora devida o amuleto voltaria para mãos
mundii.
Handaf olhou severamente para o grupo e
ordenou que parassem imediatamente, porque uma celebração
alienígena era imprópria na frente do aposento
do corro. Caruari riu e ameaçou ordenar que os mundii
continuassem, mas ao ver os guardas maztenas cercando toda
a comitiva, aquietou-se.
“Se o Grande Líder meu irmão me permitir,
eu mesmo te encontrarei no campo de batalha Handaf. Espero
ansioso ver a queda maztena. Farei você rebaixar-se
até o chão no mesmo gesto de reverência
que fui hoje obrigado a exercer!”
A um gesto de Handaf, a guarda maztena rendeu todos os guerreiros
mundii e Bedzar apontou uma ponta de lança para o pescoço
de Caruari.
“Sou um embaixador. Não posso ser atacado dessa
maneira” – Disse Caruari, agora assustado!
“És um embaixador. Não podes atacar-nos
dessa maneira” – Disse Bedzar, chefe da guarda
da vila principal. A um aceno de Handaf, forçou todos
os doles-mundii a deitarem de bruços no chão.
“Dole insolente, para mim era vantajoso manter-te cativo,
sem levares a inoportuna informação aos dole-mundii.
Mas os costumes dole-mundii de traição e quebra
de lealdade são raros entre os maztenas e mesmo significando
uma grande adversidade para nós, eu os deixaria ir.
Seu atrevimento em olhar para mim e seu insulto feriu o costume
local e me deu o motivo que queria para manter-vos cativos.
Caruari, seu tolo! Agora seu irmão demorará
mais até receber a confirmação desejada,
sugerida pelo Grande Excremento manvatopia. Quanto a batalha,
sou homem de idade e você é jovem. É possível
que nos encontremos no campo de batalha e eu pereça
às tuas mãos. Mas saiba que o Grande Líder
maztena não é como o Grande Líder dole-mundii,
um covarde que se esconde atrás das habilidades militares
dos dois irmãos mais novos.”
Todos assustaram-se. Handaf nunca ousara dizer tais palavras
baixas, principalmente ao referir-se a um Grande Líder.
Como Handaf sabia sobre o manvatopia, Caruari não imaginava,
mas o sacerdote mundii esclareceu o assunto ao ver o que parecia
ser um asnarlahal no meio daquela “gentalha maztena”!
Entenderam que de alguma forma os asnarlahals foram avisados
sobre o incidente na terra dos eromês.
Depois, Handaf convocou seus generais e a alguns deles ordenou
que percorressem a tribo e chamassem toda a força militar
dos maztenas. Alguns deles foram tomados de um pavor súbito,
pois não queriam lutar sem a Pedra Sácer, e
previram uma terrível derrota contra a forte e numerosa
tribo dos dole-mundii.
Depois Handaf dispensou Assilésio,
o mensageiro asnarlahal e disse:
“O que vistes, relatai! Os maztenas estão em
apuros e são poucos se comparados ao inimigo. A moral
de meus líderes militares está abalada. Se há
laços entre nós que ultrapassam os simples vínculos
comerciais, é chegada a hora de os asnarlahals a demonstrarem.
Vós vos mostrastes muito competentes em tempos de paz,
confio que sejais igualmente hábeis em tempos de guerra!”
Alguns dias passaram-se até que o
mensageiro regressava e com ele Greiteli. Handaf ficou satisfeito
em revê-lo e pediu que fosse ao aposento do corro.
“Meu Grande Líder, senhor dos maztenas”
“Dispenso as formalidades agora. Olha para mim.”
“Senhor, sabes o que realmente está acontecendo?”
“Se sei? A comitiva Dole-mundii veio com antecedência
e com mais guardas do que o costumeiro e o próprio
irmão de Caruanã a integrava. Eles ainda estão
aqui, encarcerados!”
“Sei da vinda deles, mas manténs cativo o próprio
irmão daquele que vem ao nosso encontro com uma grande
massa de gente? Pretendes usar Caruari para pedir termos de
paz em troca da vida dele?”
“Este é um costume eromê, manva ou tassu-assu.
Mas não um costume maztena. Nosso código de
honra não nos permite fazer tal negociação
(Handaf cita seus princípios pessoais como se fossem
costumes da tribo, o que não é verdade). Sabes
dizer agora onde está Meirol?”
“Se não fossem os eromês, ele teria alcançado
a caravana levinote ...”
“ ... E Quin-Néser e Caldiens a teriam resgatado.”
“Ah ... Sim, agora entendo porque os dois melhores guerreiros
foram retirados da guarda da vila para acompanhá-lo!
Achei que era para simplesmente garantir a segurança
de Meirol. Mas, ... a caravana levinote era grande, composta
de várias pessoas ...”
“Já viste a dupla em ação ... um
mata a distância com perfeição e os que
escapam dele caem nos braços do outro para igualmente
encontrar a morte.”
“Disseste que Caruanã mandou investigar o paradeiro
da Pedra Sácer ... se seu irmão não voltar
ele logo estará a caminho com sua força militar
...”
“Sim! Tenho batedores naquelas terras de ninguém
que os achis não permitem que seja povoada. No conselho
de guerra o Rauquem, líder militar dos aroeres do norte,
sugeriu que fosse montada guarda ao norte de nossa tribo,
aqui nas terras entrerrienses, pois considerou que Caruanã
poderia usar terras manvatopias para chegar aqui, já
que seria uma boa opção evitar os achis ununaios.
Assim que ele aparecer, receberei o rebate (sinal).”
“A propósito, parece que Meirol atravessara as
terras dos asnarlahals do sul, cruzando o Grande Rio ao norte
da Marloan (a Marloan é a terceira queda do rio Silivrens)”
“Meirol, o que você anda fazendo?” Handaf
suspirou aflito.
“As descrições dos companheiros e de Meirol
batiam com eles, mas haviam um outro integrante no grupo,
o que me fez duvidar um pouco se tratava de nosso Meirol.
Acho que ele não sabia que ainda me mantinha por lá,
e por isso nem me procurou., A propósito, o asnarlahal
mensageiro tem uma mensagem encorajadora para o povo maztena”
“O mensageiro, ia me esquecendo ... chame-o até
aqui à frente do aposento do corro”
Logo depois de convocado, Assilésio cumprimentou o
Grande Líder indo até o chão e passou
a dizer:
“Grande Líder dos maztenas, não é
costume asnarlahal intrometer-se nos assuntos de outras tribos.
Nem a tribo asnarlahal do norte auxilia ou prejudica a do
sul nem a do sul faz isso com a do norte. Que diremos de uma
intervenção em assuntos extra-asnarlahals? Nosso
Grande Líder tem de zelar pela tradição
asnarlahal. Mas eis que o grande Djeiko-Bihel não é
homem insensível. Não é apropriado um
asnarlahal morrer por um estranho, mas essa antiga lei não
se aplica aos escravos, sejam eles asnarlahals ou não.
Temos muitos escravos treinados para a batalha, homens de
infantaria. Esses estarão a caminho, assim que o senhor
dos maztenas desejar e me enviar de volta como mensageiro
de sua necessidade”
A um aceno de Handaf o internúncio
disse:
“Toda ajuda é bem vinda, asnarlahal. Homens de
infantaria serão uma prestativa ajuda, pois carecemos
de homens capazes de suportar um ataque corpo-a-corpo. O que
queres em troca por tal ajuda?”
“Sua simples existência como tribo é para
nós gratificante. Se o Grande Líder dos maztenas
concordar, gostaríamos de continuar a ter primazia
no comércio com os maztenas.”
Com um novo aceno de Handaf, o internúncio
concedeu o pedido e despediu Assilésio, implorando
que fosse rápido até sua tribo trazer ajuda!
Nesse momento Rauquem recebe um mensageiro assustado e esgotado,
que o informa da presença dole-mundii nas terras ao
sul dos manvatopias, mas estão em campanha contra sulinos
rebeldes à liderança do Grande Líder
manvatopia. Rauquem ordena que seja dado o rebate.
Vários arautos, subordinados do internúncio,
começaram a clamar em vários pontos até
que as vozes começaram a ficar quase inaudíveis.
Enquanto isso mensageiros montados saíam em disparadas
para vários pontos da rosa-dos-ventos. Os homens convocados
para a batalha precisavam apressar-se.
Quando enfim um líder local dos aroeres
da vila de Meirol convocou o vilarejo, Pes-Ean sentiu um aperto
no peito. A saudade de seu esposo era forte, pois Meirol era
homem bondoso e romântico com sua esposa. O coração
dela batia muito forte agora, de modos que ela tinha a impressão
que outros notavam isso através de seu decote generoso
(não era exatamente o coração que estava
chamando a atenção). Greices ficara doente devido
a uma picada de algum inseto desconhecido e ardia em febre,
de modo que estava atuando seu substituto.
Após reunir o povo, o substituto
passou a cumprimentá-los, gerou expectativa do que
haveria de dizer, e depois falou:
“Homens e mulheres maztenas. Recebi a pouco um mensageiro
da vila principal que veio alertar-nos sobre um ataque à
nossa tribo. Doles-mundii estão a caminho para nos
exterminar.” Nesse ponto do discurso, o pavor tomou
conta de muitos. Não sabiam o que era um dole-mundii,
e nem desejam saber mesmo!
“Eis que nosso Grande Líder, senhor dos maztenas,
convocou sob a minha liderança todo homem capaz de
segurar uma lança ou manusear um arcadã. Por
nossas esposas, que ninguém se acovarda”.
Defender o território maztena e as
mulheres que consideram indefesas, eram os dois lemas maztenas
para incitar os homens às armas. Sempre funcionavam
pois os maztenas amavam seu próprio povo, e seu código
de honra os fazia verem a si mesmos como defensores das suas
mulheres. Mais tarde no tempo seu lema fez menção
aos filhos também.
A situação desenrolou-se de
forma que batalhões de guerreiros logo estavam diante
de Handaf, preparando-se para a batalha. Homens de infantaria
com lanças, e arqueiros habilidosos no uso do arcadã.
Alguns poucos cavalarianos também compunham a força
militar.
“Onde estão os homens de Ovidas, do riacho Habunã
e de Manassa?” Perguntou Handaf, vestido para a batalha,
com o cabelo amarrado, uma proteção de couro
ao redor do abdome e uma longa veste em tons de cinza e verde
acinzentado segurada por alças, passando por baixo
da proteção, indo até os pés.
O peito estava nu.
“Meu senhor, Grande Líder, não veio ninguém
de lá, mas há notícias de que estão
a caminho.”
“Os aroeres do sul já estão aqui, e os
homens de terras mais próximas ainda não ...,
... se não chegarem em breve serão punidos ...
mande uma mensagem até eles.”
Os homens ficaram atemorizados. À
Questal, chefe dos cavalarianos, Handaf explicava depois que
o comandante indulgente torna os soldados imprestáveis.
Quem relaxa a disciplina pode ter soldados arrogantes ao seu
lado.
Enfim, os aroeres do norte já haviam
recuado suas famílias e trouxeram notícias de
que o norte fora arrasado pelos dole-mundii. Handaf passou
a mobilizar suas tropas e dividi-las em dois grupos, sendo
que Handaf comandava a vanguarda com uma tropa de elite, e
Bedzar o acompanhava. Na retaguarda ia uma grande multidão
de homens, dispostos em grupos de lanceiros e arqueiros. Teria
sido sábio proteger os flancos com os cavalarianos,
mas os silvos desconheciam tais táticas de guerra,
e Handaf os trouxe na vanguarda.
|